Sócrates era sonhador, sua mente criativa vivia em constante processo de produção. Eu ouvia tudo que saia da boca do Magrão, sonhava junto e até me via na cena por ele relatada. Certa vez, viajou com a esposa para Salvador e de lá para o Morro de São Paulo, uma ilha turística perto da capital baiana de difícil acesso, para chegar lá pode ser por via aérea em pequenos aviões – trajeto que dura 30 minutos –, via terrestre até a Ponta do Curral e dali fazer a travessia de embarcação ou direto de Salvador em barcaças enormes e lindas, trajeto que demora 2h30. Sócrates foi nessa.
Magrão voltou encantado, chegou na minha casa radiante e foi contando detalhes do local. Foi logo falando para que eu e minha primeira-dama nos preparássemos, pois dentro de dois anos iríamos morar lá no Morro de São Paulo, bastava terminar alguns projetos que havia começado, lá era o lugar que procurava para viver o que lhe restava de vida, que lá a vida passa bem devagar, não existe veículos motorizados…
Fazia tempo que não o via tão animado. Garanti a ele que iríamos juntos sim, e ele arrematou: “Dê uma zerada nas suas pendências, acerte tudo que estou cheio de ideias para montar lá um bar, nossas esposas dirigem tudo e nós à noite damos aquele show de MPB. É o que falta no pedaço, os turistas estão sedentos por música de qualidade”.
O tempo passou, ele viajou pelo Brasil todo, novos projetos surgiram e o Morro de São Paulo caiu no esquecimento. Numa outra fase de sua vida, novamente solteiro, Sócrates ficou sabendo que um grupo de amigos aqui de Ribeirão Preto iria para Ilhéus, cidade baiana que inspirou o saudoso escritor Jorge Amado na criação da imortal “Gabriela”. Ele embarcou com a patota e emendou: “Buenão”, não vejo a hora de conhecer o Bar Vesúvio, dar um banho na garganta em terras de Caimmy”.
Os amigos que viajaram com ele disseram que, quando a população de Ilhéus soube da presença do Doutor na cidade, foi uma loucura. Sócrates foi logo no tal de Vesúvio. Gostou, mas continuou procurando por música agradável. Disseram a ele que o bar “Saudades da Bahia” tinha um cantor show de bola, e lá foi ele todo animado – enquanto escrevo imagino seu jeito.
Conheceu ali Tassuci, cantor e compositor local. Do bar ele me ligou superfeliz e colocou o cantor pra falar comigo. Tassuci, que tinha outra imagem do Magrão, se tornara seu megafã. O prefeito de Ilhéus, quando tomou conhecimento da presença de Sócrates em sua cidade, logo cancelou a agenda e saiu à caça do Doutor. O cara vibrou quando o conheceu, não queria perder a oportunidade de ficar perto do ídolo. Foram para um quiosque perto de onde os navios atracam, os turistas ficaram eufóricos em conhecer Sócrates, fotos e mais fotos… Os músicos do navio também estavam no meio e sugeriram fazer ali uma roda de samba. Sócrates adorou e, num instante, pandeiro, cuíca, cavaquinho e um delicioso surdo animaram o quiosque do cara que nunca tinha faturado tanto. O prefeito assistia a tudo e vendo aquela muvuca toda, disse a Sócrates: “Precisamos conversar sério. E o Magrão responeu: “Sim, depois do samba”.
Saíram dali e o prefeito disse: “Sócrates, quero ter você aqui na minha cidade. Veja minha proposta, eu faço doação do terreno e construo o “Bar do Sócrates” com uma enorme estátua sua na frente, os turistas e minha Ilhéus irão adorar, o bar será lindo e será todo seu, vai ser nosso presente por tê-lo aqui. Terá telões, vídeos com seus gols e suas jogadas de calcanhar, som top e tudo de primeiro mundo… Topas?”
“Topo”, disse o Magrão, “e trago meu parceiro de Ribeirão”. O prefeito vibrou, ali se juntaram dois sonhadores. Assim que chegou em Ribeirão fomos molhar a palavra e ele, super-animado, contou-me toda a história e disse: “Buenão, prepare-se, vamos morar em Ilhéus.” Eu respondi: “Tamo junto”. Cai na risada… Nada aconteceu…
Sexta conto mais…