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Sócrates e o ‘niver’ do pênalti

Escrever sobre meu saudoso amigo Sócrates é sempre muito prazeroso, até porque, quando estou aqui teclando, mato a saudade viajando em inúmeras situações que vivi na companhia do Magrão. Quem não teve o privilégio de conviver próximo a ele, muitas vezes tem uma impressão diferente do que o Doutor realmente era. Sei que ele está bem e até me manda recados.

Hoje conto alguns causos sobre Sócrates. Imagine estar sempre acompanhado por um médico – e não era qualquer médico não, Sócrates era um senhor médico, com inúmeras especializações, a última foi medicina esportiva na Universidade Federal de São Paulo, cujo mestre foi o doutor Turíbio Leite de Barros, que foi do São Paulo e da Seleção Brasileira.

Lembro-me de que quando terminou o curso, ele me disse: “Buenão, meu sonho é treinar o Corinthians, me preparei pra isso, sou o técnico mais qualificado pra essa empreitada, conheço tudo de futebol. Como jogador que fui, sou médico especialista em medi­cina esportiva, ali na beira do campo, quando um atleta sofre uma lesão, de longe sei o que é, e o que fazer”.

Sócrates não deixava os amigos tomar remédios de forma algu­ma, mas nem sempre eu o obedecia. Tinha em casa minha caixinha com comprimidos variados, que matava o resfriado no ninho. Certa vez, era um começo de semana, tipo segunda ou terça-feira, ele chegou ao Empório Brasília muito resfriado. Perguntei que compri­mido estava tomando. Ele disse: “Nenhum, resfriado tem seu ciclo, do jeito que vem vai embora”. Fiquei na minha.

No final de semana, ele chegou em casa com jornalistas do Rio de Janeiro e disse: “Buenão, trouxe os amigos pra ouvir nossas músicas. “Notei que o resfriado ainda o castigava, apanhei minha caixinha de remédios e disse: “Magrão, vou te curar a lá Buenão” e já fui pegando um copo d’água. Ele não gostou e mandou ver: “Buenão, cê tá louco, cara??!!”

“Por que, Magrão”, perguntei. E ele: “Você esqueceu que sou médi­co?” Então, eu disse a ele: “Magrão, você é médico, mas aqui conta minha experiência de vida, parceiro, sou como um irmão mais velho. Vai por mim, deixe-me curá-lo”. Irredutível, me fez guardar a caixinha.

Certa tarde, faz uns 13 anos, meu filho Paulo, nora e neto chegaram ao meu apê preocupadíssimos. Meu neto Luiz Roberto estava naquela fase de crescimento, eles cismaram que o menino estava com uma perna maior que a outra. Liguei pro Sócrates, já que era sua especialidade. Na minha cabeça, ninguém melhor pra consultar o menino.

Não demorou 10 minutos meu grande amigo tocava a campai­nha e já no quarto, disse: “Deita aí, moleque”. E foi logo consultando o menino. Foi a melhor consulta que já vi um médico fazer. Só faltou virar meu neto do avesso. Por fim, disse: “O menino não tem nada, o que ele tem é muita saúde”. Alegria geral, olhei para meu filho e não consigo esquecer seu rosto de pai, demonstrando a satisfação por es­tar cuidando do filho Luiz Roberto, hoje com 25 anos, 1,94 de altura.

Outra vez, estava no apê do Magrão, a gente estava terminando uma música para o nosso CD quando seu celular tocou. Percebi que ele conversava em espanhol, o papo foi longe e eu ali, com meu violão só na espera. Notei que ele falava os nomes de Zico e Júlio Cesar várias vezes, só sei que ele foi ficando muito nervoso, falava da seleção, falava do Brasil, até que perdeu a paciência e desligou.

“Calma, parceiro”, disse a ele que começou a falar: “Buenão, a ligação foi de um repórter esportivo da TV argentina e estava ao vivo, os argentinos são mais fanáticos por futebol que nós brasileiros, o repórter insistia que eu dissesse o que senti quando perdi o pênalti contra a França.
Disse a ele que coloquei a bola pra bater sabendo que nas minhas costas estava um país inteiro torcendo por mim, que a arquibancada estava amarelinha de camisas brasileiras e que só perde quem bate. Perguntei se ele havia ligado pro Zico e Júlio Cesar, até que o repórter, rindo, disse: ‘Sócrates, hoje é o aniversário do pênalti’.”

Sexta conto mais.

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