Conheci o cantor e compositor Carlinhos Vergueiro em 1999, quando Chico Buarque veio cantar aqui em Ribeirão Preto, acho que pela segunda vez. Chico pediu pro Magrão armar uma pelada contra ele e seus músicos e avisou que Carlinhos Vergueiro viria só pra participar do jogo, mas jogaria no time dele. Sócrates riu, pois lembrou que quando jogava no Flamengo folgava na segunda-feira, e participava dos campeonatos organizados pelo Chico com músicos do Rio de Janeiro. Jogador e músico – e muitos garçons – folgam às segundas.
No Politeama, time do Chico – era o dono –, Sócrates formava o meio-campo com Carlinhos Vergueiro e Chico no ataque, daí o recado acima pro Magrão: queria Carlinhos reforçando seu time. Todos chegaram dois dias antes do show e, aproveitando uma tarde de papo pro ar, Sócrates convidou Carlinhos para participar do CD que estávamos gravando no estúdio do Grupo Nós. Ele topou e lá fomos nós. O tom estava um pouco alto, mas ele alcançou e assim participou cantando uma faixa do disco, “Sonho de amor”, de Bueno e Sócrates.
A estada deles por aqui rendeu muitas histórias, pois era festa direto, com o meu violão passando de mão em mão. Muitos causos numa deliciosa roda de prosa. Teve o jogo, o time do Chico perdeu, mas, à noite, no Theatro Pedro II, o cantor, rindo, disse que seu time havia vencido. E nós na plateia sem poder desmenti-lo, mas tudo isso demostra uma grande amizade.
A vida seguiu, o CD gravado, Sócrates estava morando em São Paulo e sempre me ligava pra ir lá a fim de participarmos de programas de TV. Numa dessas, o Carlinhos veio do Rio para cantar numa casa de shows no centro velho da capital. Magrão o convocou e fomos cantar na TV Cultura, fomos em seu show logo mais à noite.
No show, Carlinhos nos apresentou Petrolino, letrista que fora seu parceiro em várias músicas. Intrigado, Sócrates perguntou a Petrolino se era nome ou apelido. O parceiro de Carlinhos achou graça e disse que, antigamente, tinha uma brilhantina a base de petróleo que ele usava exageradamente, daí amigos sambistas lhe apelidaram de Petrolino.
Petrolino era um bom papo e nos contou que Carlinhos Vergueiro, certa vez, ligou para Adoniran Barbosa que o atendeu com aquela sua voz rouca, herança de muitas boemias regadas a centenas de doses de uísque e muitos cigarros daqueles arrebenta-peito. O velho compositor queria saber o que o sambista carioca queria dele, uma vez que estava meio que em baixa nas rádios. Carlinhos abriu logo o jogo dizendo: “Adoniran, já compus com Toquinho, Vinicius de Morais, Tom Jobim, Chico Buarque e muitos outros, e gostaria muito de dividir um samba com você. Topas?”
O autor de “Saudosa Maloca” não só topou como marcou um bar no Bixiga onde picava cartão diariamente. Disse: “Carlinhos, quando você vier a São Paulo, me ligue.” O esperado encontro aconteceu. Segundo Carlinhos Vergueiro, Adoniran o levou a um bar em que havia um biombo com uma mesa atrás, e sobre ela uma caixinha de fósforo e um cinzeiro. Era a mesa fixa do velho sambista.
Começaram a compor o samba quando entra no bar Paulinho Boca de Cantor. De cotovelo no balcão, pediu uma cerveja, correu os olhos pelo ambiente e viu a dupla atrás do biombo. Chegou perto e falou qualquer coisa sobre o samba. Adoniran, enciumado, ficou uma fera, levantou-se e disse: “Carlinhos, volte aqui amanhã para acabarmos o samba”.
Dia seguinte acabaram o samba e Carlinhos disse: “Adoniran, não podemos esquecer que ontem o Paulinho boca de Cantor deu palpite no nosso samba”. O sambista, demonstrando contrariedade, perguntou: “Carlinhos, o que ele fez no nosso samba?” O carioca respondeu: “Ele colocou o breque.” Adoniran, na bucha, ordenou: “Então tire o breque”. Nascia ali o samba “Torresmo à milanesa”.
Sexta conto mais.