Ao recordar os 135 anos da assinatura da Lei Áurea, já possuímos informações e discernimento suficientes para revisitar a história desprendidos da equivocada narrativa que destacava a abolição como uma dádiva imperial e não uma conquista popular onde vários grupos e indivíduos tiveram destacada participação.
Durante anos o ensino oficialpropagou que a libertação foi uma concessão e omitiu as intensas pressões internacionais, as movimentações políticas e populares, as lutas e revoltas e as resistências internas. Ao abordar o 13 de maio, pouco se comentava sobre a efetiva contribuição negra para a formação do país e quase nada sobre o abandono, a exclusão e a situação de penúria a que foram submetidos os recém-libertos, sem indenizações ou acesso à moradia, educação, saúde, meios de produção e mercado de trabalho remunerado.
Se a escravização foi estimulada pelo Estado, pelos senhores e até mesmo pela Igreja, após a libertação nenhuma instituição assumiu a missão de preparar a sociedade para acolhê-los, tão pouco colaborou para que pudessem organizar suas vidas no novo contexto social. Quadro semelhante é encontrado na atualidade onde pessoas e movimentos organizados representando uma elite que majoritariamente defende teorias e práticas políticas de exclusão, autoritarismoe elitismose colocam contráriasàs ações afirmativas e diversas formas de estímulo à inserção e ascensão de negros em todos os espaços sociais, políticos e econômicos.
Estas são algumas das razões que o movimento negro não celebra a data e prefere utilizá-la como mais uma oportunidade de denúncia do que foi feito com os escravizados e seus descendentes e as consequências advindas, entre as quais a atual situação de vulnerabilidade social e econômica.
Gradativamente o Brasil começa a se enxergar negro dissipando a espessa nuvem da ignorância que envolveu seu povo e proporcionou a naturalização do discurso de ódio, dos estereótipos e do racismo estrutural. Além de poder utilizar a roupa ou penteado que melhor lhe aprouver, o negro quer respeito e cidadania em plenitude.
Se agora podemos orgulhosamente falar sobre Zumbi dos Palmares, Dandara e Luiz Gama, neste reencontro com a verdade faz-se necessário resgatar os chamados “heróis, heroínas e mártires invisíveis”. Aqueles e aquelas que propositalmente tiveram suas histórias apagadas ou destorcidas, mas que foram exemplos de luta pela liberdade, entre as quais, podemos destacar três mulheres: Luísa Mahin, Tereza de Benguela e Zacimba Gaba. Mais do que uma homenagem, estudar e dar visibilidade às suas trajetórias é uma forma de empoderamento e pertencimento dos seus legados e da nossa identidade.
O sonho e a luta por liberdade e igualdade se iniciaramem 1530 no dia em que o primeiro escravizado desembarcou nestas terras, eles não terminaram no dia 13 de maio de 1888, continuam até hoje em cada abordagem policial truculenta, em cada bala perdida, em cadasituação de racismo no comércio, de discriminação no trabalho, de preconceito no restaurante ou na universidade, de intolerância eperseguição às religiões de matriz africana e nas piadas e expressões racistas.