Meu professor de Introdução à Ciência do Direito, o inesquecível Gofredo da Silva Telles, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, proferia lições maravilhosas, com seu raciocínio lógico, claro, umedecido pela ternura de sua alma leve, que emocionava seus alunos, admiradores, e quem teve o privilégio de ouvi-lo. Foi constituinte em 1946. É dele os dois discursos, depois somados à manifestação do Ministro da Guerra, que denunciaram a entrega gratuita da Amazônia a um organismo internacional, dentro do qual o Brasil não teria, vertido ao português, nem a cópia da entrega vassala. Aula de filosofia, que causava vibração na alma, era a dele.
E de vez em quando emergia a expressão, que um dia ele pronunciara: “Tudo tem relação com tudo”. Portanto, no tempo e no espaço, as experiências humanas se comunicam, não se sabendo por quais canais invisíveis. “Tudo tem relação com tudo”.
Essa lição antiga emergiu, depois do passeio emblemático de motocicleta, no Rio de Janeiro, antes aconteceu outro em Brasília, do Presidente da Republica, acolhendo a tiracolo o estrategista de grandes combates, general pazuello. Inadvertidamente, seu ato político sugere aos seus adeptos e seguidores que ao invés de manifestações de rua, o ato-fato político deveria acontecer com passeios aglomerados de motocicletas.
Eis aí a mente humana recolhendo, lá do passado, não se sabe de que sarcófago da estupidez mussoliniana, o que sentem no espírito pervertido, e atual, para capturar a reserva da liberdade desumana. Afinal, “tudo tem relação com tudo”.
Eis que a “Folha de São Paulo”, na sua “Ilustrada Ilustríssima”, do dia 30 de maio último, veicula a figura patética de Benito Mussolini, na sua motocicleta, em foto ampliada, para que ninguém se esqueça de seu tempo de fascínio e glória. Nem de longe se poderia adivinhar que sua morte seria tão trágica, com seu corpo dependurado, sem motocicleta, de cabeça para baixo, naquela praça pública de Milão.
A brilhante matéria, veiculada sob esse título O fascista da motocicleta, é assinada pelo professor da USP Fábio Palácio, que em resumo nos ensina historicamente que a motocicleta é um símbolo do ideário daquelas trevas.
“Mussolini promovia passeios semelhantes de moto”.
Ele preleciona, ainda: “A resposta pode ser encontrada nos manifestos futuristas do poeta FilippoTommasso Marinetti. Como sabemos no início do século 20 pipocaram uma série de vanguardas artísticas que, em seu conjunto iriam configurar o modernismo. A primeira – talvez a mais importante – foi o do futurismo. Em consonância com seu nome, esse movimento pregava oposição radical ao passado…”.
Se em outros países, o movimento ressoou em vanguardas diferentes, especificamente, na Itália, ele pendeu para o lado fascista.
E segue o professor, ligando o passado ao presente: “Sabemos que imagens de força, potência e vigor são caras aos fascistas. Elas contribuem para fixar no imaginário a ideia de “raça superior”. Nessa visão a tecnologia é concebida como extensão do corpo humano, capaz de torná-lo mais vigoroso. É esse o significado que se oculta por trás da apologia fascista das armas e meios de transportes, como o automóvel, o avião e a motocicleta”.
“Isto quer dizer que a cultura motociclista é fascista? De maneira nenhuma. Significa apenas que o fascismo reclama essa formação cultural, como várias outras – incluindo a própria cultura motociclista”.