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Soberania é garantida com competência

A Amazônia alça o Brasil e outros oito países – Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (França) – a uma posição geopolítica estratégica no mundo. Não pela riqueza mineral, pela capacidade de produzir grãos, tão pouco pela posição geográfica. Mas sim pela rica biodiversidade, pelo volume de águas que circulam nos leitos, na atmosfera e no subsolo, pela contribuição incomensurável à estabilidade climática, já que retêm muito carbono na biomassa e pela diversidade de culturas que detêm conhecimento para produzir sem derrubar a floresta. Esses são ativos de uma guerra quente: o aquecimento global. Ativos ambientais. Estamos em 2019. Não estamos em 1970, tá ok?

Em 2019 a sustentabilidade ambiental se impõe como algo inquestionável, pois não conseguiremos sobreviver com dignidade em um planeta com o clima deterio­rado e inóspito. Não importa, seu Mourão, se a Amazônia é ou não, do mundo, o pulmão! Essa informação não desvaloriza a maior floresta tropical do mundo, já que detém outras funções estratégicas para o planeta, conforme citado anteriormente. Os oceanos, de onde provém a maior fonte de oxigênio para atmosfera, também estão severamente ameaçados pelo aquecimento das águas. A ciência vem informando há décadas que há um efeito estufa artificial na Terra. Este é provocado por duas princi­pais razões: a queima de combustíveis fósseis e a conversão mal planejada de florestas em pastos, agricultura e cidades. O desmatamento e as queimadas são a principal forma de contribuição do Brasil para o problema.

A Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal vem gestando um plano de ocupação para a região amazônica, segundo reportagem do último dia 20 pelo The Intercept Brasil. O Projeto “Barão do Rio Branco” retoma o antigo sonho de alguns militares da reserva em povoar a região. O que fundamenta tal projeto, segundo seus autores, é a “necessidade” de proteger o território nacional perante ONGs, povos indígenas, quilombolas e a Igreja. Argumenta-se que essas instituições são vulneráveis a interesses de outras nações perante as riquezas amazônicas.

Perguntado em Nova York como o Brasil poderia ter sua soberania limitada sobre seu território, o ministro Carlos Araújo, das Relações Exteriores, não soube responder. Em matéria publicada pelo O Globo em 17 de setembro último, o mesmo chanceler foi questionado sobre o funcionamento do fundo de US$ 100 milhões dos EUA para o Brasil. A resposta dada por seu assessor foi que está sendo estudado, pois o montante virá da iniciativa privada norte-americana. Soberania com unilateralismo a uma nação que historicamente interferiu nos rumos latino-americanos?

Três grandes obras estão pensadas no Barão do Rio Branco: a extensão da BR 163 até o Suriname – hoje a estrada vai até Santarém (PA) –, uma ponte sobre o Rio Amazonas na cidade de Óbidos (PA) e a construção de uma grande usina hidrelé­trica em Oriximiná (PA), no Rio Trombetas. Desta forma escoar-se-iam os grãos produzidos a partir da ocupação do Planalto das Guianas, os minérios da Região da Calha Norte, e abastecer-se-iam de eletricidade as cidades da região e a Zona Franca de Manaus. Um forte estímulo nos moldes já conhecidos em uma região que se en­contra muito preservada. Mais desmatamento e mais conflitos com povos indígenas.

O Brasil tornou-se especialista em desperdiçar recursos naturais para ganhar quase nada com isso. Os municípios que mais desmatam na Amazônia são também os mais pobres e mais violentos.

Segundo artigo do físico Ricardo Abramovay na Folha de S. Paulo deste mês, intitulado “Enriquecer sem desmatar”, enquanto o valor por hectare de soja foi de R$ 2.765,79 em 2015, o de açaí foi de R$ 26.884,00. O açaí é um produto extrativista que mantém a floresta; a soja, não. Em artigo publicado na Revista Nature Sustainability pelo professor Britaldo Soares-Filho (UFMG) e pelo economista Jon Strand (Banco Mundial), revelou-se que um hectare desmatado gera perdas anuais de R$ 160 para a produção de castanha do Pará e de R$ 800 para a produção de madeira sustentável. Perda de floresta = perda na agricultura e no extrativismo.

Por ter 61% da Amazônia nos limites de seu território, o Brasil passou a ter uma importância geopolítica, já que não é possível desconsiderar a conservação da floresta para frearmos o aquecimento global. Nossa opção deve ser por um modelo de desen­volvimento que explore sem desmatar. O rumo está errado e a velocidade acelerada. A paranoia da internacionalização da Amazônia pode se transformar em realidade se o país insistir em incompetência e irracionalidade.

A jornalista Miriam Leitão sintetizou muito bem o discurso do atual presidente na abertura da Conferência das Nações Unidas em Nova York nesta semana: “um discurso perdido no tempo e uma perda de tempo”.

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