Por André Cáceres
O setor cultural foi um dos mais duramente atingidos pela pandemia do novo coronavírus. Com a paralisação das apresentações musicais, peças teatrais, sessões de cinema e outras atividades, muitos artistas e profissionais da área ficaram sem renda e diversas plataformas vêm tentando oferecer alternativas para a cultura se manter.
Uma delas é o Itsnoon, uma rede social brasileira que permite que seus usuários, muitos deles artistas, recebam dinheiro pelo conteúdo produzido. Na plataforma, não há “curtidas”, mas sim girassóis, que valem R$ 1 e são uma espécie de moeda dentro do serviço, podendo ser adquiridas, trocadas e sacadas. “A música, do cinema, da literaturtistas são muito importantes nas redes sociais, mas não são remunerados como tal”, afirma Reinaldo Pamponet, fundador da Itsnoon.
“O mundo digital foi muito baseado em inteligência artificial e parece que o usuário nunca teve valor”, reflete o empresário. “Muitos criadores culturais vêm passando por um processo de disrupção, como o mundo da ra, e essa disrupção é baseada na tecnologia.”
Durante a pandemia, a plataforma, que cresceu sua base de usuários em 20%, já distribuiu R$ 250 mil reais em “girassóis” e deve lançar uma versão mais robusta na primeira semana de julho. “As pessoas precisavam de um lugar para se expressar. Não é apenas uma questão de dar voz a uma pessoa, mas de valorizar seu talento”, acrescenta Pamponet, enfatizando que o Itsnoon, diferentemente de outras redes, não comercializa os dados de seus usuários.
Outro exemplo de que a quarentena vem ampliando a produção cultural é o site Clube de Autores, que ajuda escritores a publicar suas obras de maneira independente. Em abril de 2020, a plataforma registrou um aumento de 40% na quantidade de livros publicados, em comparação com o mesmo mês de 2019, e em maio as vendas cresceram 56% e o número de autores novos subiu 83%, segundo a empresa.
“A pandemia é, quase que por definição, um momento de concentração absoluta de ansiedade”, afirma Ricardo Almeida. “Não é por outro motivo que temos notado uma profusão literária tão inédita na comunidade de autores que formam o clube. Nunca se escreveu tanto – e esse volume está diretamente relacionado à necessidade que cada escritor tem de extravasar as suas próprias angústias e esperanças transformando-as em histórias.”
Para dar vazão a essa produção, a plataforma promoveu um concurso de crônicas em abril, aumentou os repasses para as gráficas, deu descontos para os leitores e está criando um site voltado a atender necessidades práticas dos autores, como confecção de capas e revisão de textos. “Podemos resumir todas as nossas ações em três categorias: ouvimos os nossos autores e as angústias por eles expressadas durante esse período; incentivamos a criação de seus textos, seja por meio do concurso Crônicas em Quarentena ou por um apoio mais educacional sobre como lançar seu livro; e garantimos que toda a cadeia, da impressão à logística, continue operando”, afirmou Almeida.
Uma iniciativa em prol da literatura que será lançada por meio de financiamento coletivo nas próximas semanas é a plataforma Vida de Escritor, que vai oferecer serviços como pareceres críticos de textos, oficinas de escrita e revisão. O site, que conta com autores como Nelson de Oliveira, Lima Trindade e Márcia Barbieri, pretende seguir recrutando escritores após seu lançamento a fim de produzir mais conteúdo e ajudar a girar a economia da literatura.
“Surgir na pandemia foi apenas uma coincidência, o que move o Vida de Escritor é um problema mais amplo: a falta de protagonismo do escritor na sua inserção no mundo cotidiano”, afirma Marne Lúcio Guedes, escritor e um dos idealizadores da plataforma. “Há uma ideia do artista, de modo geral, de não pensar em dinheiro, mas isso não existe. Você tem que escrever, mas tem que pagar boletos. Então temos essa proposta de ser um ambiente de escritores que fazem sua literatura e ganham pelos seus serviços com isso.”
Para Guedes, o fato de a pandemia ter explodido durante o desenvolvimento da plataforma apenas acentuou sua necessidade, uma vez que um dos objetivos do projeto, segundo o escritor, é “inserir pessoas que estão fora do eixo Rio-São Paulo e querem ter contato com uma literatura de qualidade”, já que as aulas, oficinas e mentorias serão ministradas pela internet.
O site, que hoje conta com 14 escritores, vai lançar sua pré-campanha de financiamento coletivo na segunda-feira, 15, e pretende recrutar novos autores. “Claro que vai ter uma curadoria na plataforma, mas é um projeto aberto”, conta Marne. “É uma forma de valorizar o autor contemporâneo, que precisa de um mínimo de estabilidade financeira para poder produzir, para que ele não fique refém de feiras, de prêmios literários.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.