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Operação ‘Cinderela’ resgata 38 vítimas de exploração

Fotos: Divulgação MPT

Força-tarefa investiga tráfico de pessoas, trabalho escravo, rufianismo, exercício ilegal da medicina e organização criminosa: 38 transexuais foram libertadas, seis pessoas estão presas e quatro são procuradas

Uma força-tarefa composta por Polícia Federal (PF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Divisão de Erradicação ao Trabalho Análogo ao Escravo (Detrae) do Ministério da Economia (Trabalho) e Ministério Público Federal (MPF) deflagrou nesta quarta-feira, 13 de março, a Operação Cinderela em Ribeirão Preto, contra a exploração de transexuais. Trinta e oito vítimas foram resgatadas em vários locais da cidade, todos mantidos pela quadrilha que, segundo a PF, atuava no município desde 2013.

Os investigados responderão, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de tráfico de pessoas, redução à condição análoga à de escravo, rufianismo, exercício ilegal da medicina e organização criminosa. Se condenados, as penas podem chegar a mais de 34 anos de reclusão.


Noventa policiais federais deram cumprimento a dez mandados de prisão preventiva e 18 mandados de busca e apreensão expedidos pela 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto. Cinco pessoas foram presas e quatro foragidos estão sendo procurados – um dos supostos líderes e alvo da operação já estava preso em razão de outro processo criminal (leia nesta página).

A investigação teve início a partir da denúncia de duas vítimas que conseguiram fugir do cativeiro. De acordo com o apurado, jovens transexuais eram trazidas de outros Estados da Federação, principalmente do Norte e Nordeste, para se prostituírem em Ribeirão Preto, com a promessa de transformação do corpo, hospedagem e alimentação. As vítimas chegavam já endividadas, em razão das passagens e despesas de viagem adiantadas pelos investigados, e aqui eram obrigadas a consumir drogas, exploradas sexualmente e empregadas no mercado do sexo, onde havia uma divisão territorial de atuação de cada aliciador.

Criada a condição de dependência econômica e ascendência sobre as vítimas, os aliciadores davam início à transformação corporal daquelas, com a aplicação de silicone industrial e realização de procedimentos cirúrgicos ilegais, de modo a aumentar ainda mais a dívida das vítimas.

Aquelas que não conseguiam pagar as dívidas ou que desrespeitavam as regras da “casa” eram julgadas em um “tribunal do crime” e punidas com castigos físicos, morais e multas pecuniárias, além de terem os seus pertences subtraídos.

Há registros de suicídios em virtude das pressões sofridas pelas vítimas, desaparecimentos, aplicações de castigos físicos com pedaços de madeira com pregos e homicídios, tudo decorrente da cobrança de dívidas. Segundo a delegada Luciana Maibashi Gebrim, da Polícia Federal, uma travesti que veio do Pará está desaparecida desde 2016. Os agentes cumpriram mandados em endereços nos bairros Jardim Salgado Filho, Quintino Facci I, Centro, Vila Tibério, Vila Tamandaré e Avelino Alves Palma. Somente na Vila Tibério o bando mantinha três imóveis para hospedar as trans.

Um dos imóveis alvos da força-tarefa, no Jardim Salgado Filho, na Zona Norte, era popularmente conhecido como “o castelo das transexuais”. As vítimas começaram a prestar depoimento na tarde desta quarta-feira. Os acusados também foram interrogados. Há denúncias de casos de suicídio praticados em razão de tortura física e psicológica.

“Algumas vítimas citaram casos de outras que foram enviadas ao exterior, mas ainda estamos desenvolvendo a investigação sobre tráfico internacional”, afirma a delegada da PF Luciana Maibashi Gebrim. “Há relato de que menores foram aliciados por esses grupos criminosos”, completou a delegada durante entrevista coletiva na manhã de ontem, na sede do Ministério Público Federal em Ribeirão Preto, no Jardim Sumaré, na Zona Sul.

Vítimas chegavam a RP com dívidas
A delegada Luciana Maibashi Gebrim, da Polícia Federal, conta que as vítimas resgatadas na Operação Cinderela chegavam a Ribeirão Preto com dívidas referentes às despesas de viagens, pagas pela quadrilha. Com isso, as transexuais eram obrigadas a se prostituírem e o débito aumentava, em razão da cobrança de hospedagem, alimentação e uma “taxa para o exercício da prostituição”. “Em seguida, os aliciadores davam início ao processo de transformação do corpo das vítimas. Um dos investigados aplicava o silicone industrial e as trans também eram levadas a clínicas, para cirurgias de prótese mamária”, dis a delegada, destacando que jovens morreram em decorrência desses procedimentos.

“A quadrilha vem atuando desde 2013. Uma pessoa foi assassinada em virtude da cobrança de dívida e outras morreram em virtude da aplicação de silicone industrial, em locais clandestinos e com estrutura inadequada.

Esses casos foram apurados pela Polícia Civil e estão em trâmite na Justiça Estadual”, afirma. Ainda segundo Luciana Gebrim, as vítimas que não conseguiam arcar com as dívidas eram castigadas fisicamente, recebiam “multas pecuniárias” e tinham pertences subtraídos pelos suspeitos, após submetidas a “tribunais do crime”.

“Eram vários grupos, mas que se comunicavam, porque havia a divisão territorial do mercado do sexo em Ribeirão Preto. Cada grupo tinha um líder que fazia o trabalho de aliciamento. Ao todo, são dez grupos. Foram dez mandados de prisão preventiva aos chefes de cada grupo”, explica a delegada. O procurador da República, André Moraes de Menezes, afirma que os suspeitos responderão, de acordo com a participação, pelos crimes de tráfico de pessoas, redução à condição análoga à de escravo, exercício ilegal da medicina, organização criminosa e rufianismo – que consiste em obter lucro com a prostituição alheia. “Estamos diante de um clássico caso de escravidão moderna, em que o grilhão não é físico”, diz.

“A pessoa não está acorrentada no sentido físico, mas de maneira invisível, de maneira em que, às vezes, nem ela se dá conta. Se a visão do sofrimento dessas vítimas não é suficiente para dissuadir os criminosos, não resta alternativa senão a aplicação da lei penal”, diz. Ainda de acordo com Menezes, a partir dos documentos apreendidos e dos depoimentos das transexuais é possível que a quadrilha passe a responder por outros crimes, como lesão corporal grave, por exemplo. A investigação também deve apontar se há ramificações do esquema na região de Ribeirão Preto.

“O combate a essa monstruosidade, a essa covardia, que é a escravidão moderna, é uma busca de civilidade e respeito para todos nós. Estamos diante de uma exploração não apenas do trabalho alheio, do corpo físico alheio, mas, também dos sonhos alheios. Sonhos de uma vida melhor, de liberdade de expressão”, destaca. Além da delegada da PF e do procurador da República, também participaram da coletiva Cristiane Sbalqueiro, procuradora do Trabalho, Edson Geraldo de Souza, delegado superintendente da Polícia Federal em Ribeirão Preto, e Magno Pimenta Riga, auditor fiscal do Trabalho.

Suposto líder já está preso
Um dos supostos líderes da quadrilha desmantelada pela Operação Cinderela está preso desde dezembro de 2017. Alexandre Ferreira da Costa, de 46 anos, conhecido como “Deco”, foi condenado a 20 anos de prisão por homicídio doloso – apesar de não ter a intenção de matar o motociclista Danilo Braga Eroico, de 33 anos, ele sabia dos riscos ao desrespeitar o sinal vermelho no cruzamento da avenida Meira Júnior com a rua Henrique Dumont, no Jardim Mosteiro, Zona Nordeste de Ribeirão Preto, na madrugada de 27 de novembro de 2017.

Costa vai cumprir a pena em regime fechado. A defesa já recorreu da decisão, mas “Deco” deverá aguardar ao julgamento do recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) atrás das grades. Em 5 de dezembro do ano passado, saiu algemado do Tribunal do Júri e das Execuções Criminais do Fórum Estadual de Justiça e seria levado para uma unidade prisional. O julgamento durou cerca de oito horas. A sentença foi emitida pela juíza Marta Rodrigues Maffeis Moreira, da 1ª Vara do Júri de Ribeirão Preto, com base na decisão dos sete jurados.

“Deco” já tem passagens pela Justiça por tráfico de drogas e homicídio da travesti conhecida como “Paulete”, no Quintino Facci I, na Zona Norte da cidade, em fevereiro de 2014 – foi absolvido em outubro de 2018, mas o Ministério Público Estadual (MPE) recorreu. Na época, Costa alegou à polícia que agiu em legítima defesa após se envolver em uma briga. Também é suspeito de causar a morte de outra transexual em 2013, ao aplicar silicone industrial na vítima.

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