No dia 1º de março foi publicada, em edição extra do Diário Oficial da União, a Medida Provisória (MP) 873, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que aprofunda alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Consta nesta MP que as contribuições dos trabalhadores para os sindicatos não poderão mais ser descontadas diretamente do salário. Em resumo, determina que o chamado imposto sindical deve ser pago exclusivamente por boleto bancário. O texto começou a valer imediatamente, mas precisa ser aprovado pelo Congresso, em até 120 dias, para virar lei. A Medida desagradou sindicalistas. Algumas entidades a apontam como sendo inconstitucional.
Desde a reforma trabalhista que entrou em vigor em 2017, a contribuição sindical deixou de ser obrigatória. Os trabalhadores precisam manifestar a vontade de contribuir para o sindicato da categoria, mas as empresas podiam continuar a descontar diretamente da folha dos empregados.
Alguns sindicatos considerados fortes e tradicionais em Ribeirão Preto já sentem na pele os efeitos da reforma trabalhista. Um deles é o Sindicato dos Empregados no Comércio de Ribeirão, o Sincomerciários, que representa uma base territorial de quinze cidades da região metropolitana. Segundo a presidente, Santa Regina Pessoti Zagretti, os efeitos da reforma de 2017 provocaram a diminuição de serviços e benefícios aos associados. “Tivemos que demitir 42 funcionários e cortar alguns benefícios. Perdemos 70% dos nossos recursos”, disse Regina.
Sobre a MP assinada no primeiro dia do mês, Regina foi mais enfática. “Se isso acontecer (recebimento via boleto) será o fim de muitos sindicatos. Nós vamos fechar as portas”. “A média da nossa contribuição é de R$ 13,00. Para gerar boletos teremos muitos custos, além do fato de o sindicalizado mudar de endereço constantemente”, disse.
O Sincomerciários enviou uma carta para escritórios de contabilidade e empresas com contabilidade e RH próprios de Ribeirão Preto e região fazendo um alerta: – “Cumpre salientar, que a Lei federal 13.467/2017 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro que o negociado prevalece sobre o legislado, de forma que as Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, que fixam o custeio sindical, em prol do sindicato profissional, continuam valendo mesmo após a edição da Medida Provisória 873/2019, de modo que as cláusulas normativas das contribuições prevalecerão em todos os seus termos e condições. Além disso, é certo que o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal assegura que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito. Logo, os efeitos da medida provisória como ato normativo não retroage. Por conseguinte, os acordos e as convenções coletivas de trabalho celebrados antes da MP 873 não sofrem qualquer alteração em relação à validade dos respectivos instrumentos coletivos de trabalho”, explica.
A dirigente sindical faz uma crítica ao Governo Federal. “Estamos com doze milhões de desempregados e cinco milhões de desalentados, teríamos que estar discutindo estratégia para a Revolução 4.0 e não o custeio sindical”, finaliza.
Para Bancários, MP 873 é uma afronta ao princípio de liberdade sindical
De acordo com Silvio Gonçalves, presidente do Sindicato dos Bancários de Ribeirão Preto e Região, a MP 873 é uma afronta ao princípio de liberdade sindical. “Ela infringe diretamente o direito de os trabalhadores decidirem sobre as formas de atuação e financiamento de suas entidades de representação”, avalia Gonçalves.
Para o sindicalista, o objetivo da MP é enfraquecer a resistência contra a aprovação da reforma da Previdência, a defesa dos bancos e demais empresas públicas e a retirada de direitos dos trabalhadores. “É um contrassenso querer impedir que sejam pagas as contribuições definidas em acordo coletivo. Eles acabaram de aprovar uma reforma trabalhista que sobrepõe o negociado sobre o legislado. Essa é mais uma mostra de que o que o governo quer, na verdade, é acabar com as entidades sindicais e minar as formas de financiamento da luta contra as propostas que prejudicam os trabalhadores”, ressalta Gonçalves. “Defendemos o sindicato forte, atuante e proativo e vamos continuar nossa luta pelo fortalecimento dos sindicatos. Sempre lutamos e vamos continuar lutando contra qualquer tentativa de retirada de direito e por novas conquistas para os trabalhadores”, finalizou.
Reforma de 2017 não afetou Sindicato dos Servidores
Com um índice de filiação de aproximadamente 90% da categoria – cerca de 9 mil trabalhadores na ativa e 3 mil aposentados e pensionistas-, o Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto não sentiu os efeitos da reforma trabalhista que tornou facultativa a contribuição sindical, segundo o presidente da entidade Laerte Carlos Augusto.
“Nós temos um trabalho de base forte e que vem sendo feito há anos. Também temos muitos projetos que envolvem os trabalhadores. Por outro lado reduzimos nossas despesas”, disse Laerte. “Mas notamos que sindicatos (de trabalhadores municipais) de cidades menores estão sofrendo, pois além da pressão que sofriam dos prefeitos que impunham medo aos trabalhadores em caso de filiação, enfrentam essas ações do governo”, ressalta. “Temos casos de cidades, como Guatapará, por exemplo, que chegou a ficar cinco anos sem reajuste salarial e os governantes impunham dificuldade para a entrada do sindicato. Mudamos esse cenário quando estendemos a base e ajudamos esses trabalhadores”, salienta.
Laerte também critica a MP 873. “É uma medida descabida e inconstitucional. Querem acabar com os sindicatos. Querem interferir nas ações sindicais, mas essa MP não vai prosperar. As entidades sindicais estão atentas”, finaliza.
Para OAB, Medida Provisória é inconstitucional
Um estudo feito pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, sugere que a entidade, em sua esfera nacional, proponha uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) em face da integralidade da Medida Provisória 873.
O presidente da Comissão do Direito do Trabalho da 12ª Subseção da OAB-SP em Ribeirão Preto, Marcelo Braghini, comunga da mesma opinião.
Segundo ele, “a Ordem dos Advogados do Brasil reconhece a inconstitucionalidade formal, uma vez que MP não observa os requisitos constitucionais de relevância e urgência da matéria regulada, ou mesmo, a inconstitucionalidade da nova regra proposta pelo Governo Federal, por violar os preceitos constitucionais da não-ingerência do Estado na autorregulação das entidades sindicais, contrariando diretrizes internacionais da Organização Internacional do Trabalho em contundente retrocesso social”.