O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), de Brasília, manteve no último dia 21, por unanimidade, a decisão que arquivou a Ação de Improbidade Administrativa que investigava as supostas “pedaladas fiscais” atribuídas à ex-presidente da República, Dilma Rousseff, e que serviram de base jurídica para o seu impeachment. A decisão também beneficiou o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o ex-presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, e o ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin.
É incrível como essa decisão da Justiça vem incomodando a grande imprensa, tendo à frente os jornais Folha de S. Paulo, o Estado de São Paulo e O Globo. E vem incomodando, mais ainda, uma possível reparação oficial à ex-presidente. Basta ter o mínimo de consciência histórica para perceber que este crime empresarial, parlamentar e midiático contra ela desencadeou todo um processo que nos levou à pior aberração política da nossa história – o bolsonarismo. Foi o que resultou do rompimento dos consensos sobre valores democráticos e igualitários básicos, alimentado pela direita tradicional, PSDB à frente.
O golpe de 2016 marcou a ruptura de vastos setores da classe dominante brasileira, com o princípio do respeito às regras do jogo. Inaugurou um período de vale-tudo em nossa política, com incerteza quanto à vigência das normas constitucionais, marcado pelo permanente cabo de guerra entre os poderes. Afinal, deslanchado por Eduardo Cunha e Aécio Neves, os incorruptíveis (!), e impulsionado pela Lava Jato, o golpe não poderia deixar de assinalar o triunfo do gangsterismo político entre nós. Em suma: o golpe nos legou desorganização institucional, violência política e ampliação da desigualdade.
Expressando sua opinião oficial, o título do editorial da Folha foi “Não foi golpe”. Mas foi golpe, sim, dona Fôia! Nossa mídia corporativa foi cúmplice do desmonte da Constituição, patrocinou a Lava Jato, apoiou o golpe, aplaudiu as práticas autoritárias de Temer, tornou normal o bolsonarismo. Dilma foi retirada do poder pelas pedaladas que não existiram, mas um genocida com quase 700 mil mortos nas costas, além de outros crimes bárbaros, permaneceu incólume no poder por quatro anos. Depois, quando o seu fedor neofascista começou a ficar insuportável, a Folha quis se passar de paladina da democracia.
Excelente o artigo do historiador Valter Pomar no 247, desmascarando o jornal O Globo pelo mesmo script. Escreveu: “O Globo apoiou o golpe militar de 1964. Décadas depois, fez uma suposta autocrítica. O Globo apoiou o golpe de 2016. Mas a hora da autocrítica ainda não chegou”. A cara de pau é tão grande que essa área da imprensa chega a dizer que legal ou ilegal, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto, a decisão foi política e está correta! Seja como for, o impeachment foi apenas uma questão política: precisavam tirar de cena um projeto econômico que desagradava enormemente grande parte das elites do país. A questão jurídica foi para as cucuias!
Uma reparação simbólica para Dilma é importante também para a história do Brasil, deixar registrada essa redundância: “o golpe foi um golpe”. Assim como escreveu o cientista político Luis Felipe Miguel no blog A Terra é redonda. Com desdobramentos que ultrapassaram em muito a retirada ilegal do cargo de uma presidente eleita. A preocupação de O Globo é com a possibilidade de se tentar escrever de outra forma a história presente e futura. Por isso, autocrítica (como a suposta que fizeram em relação a 1964), só quando não causar mais nenhum efeito prático. É muita cara de pau! Faço minhas, as palavras de Pomar: “O Globo, a Folha e o Estado de São Paulo não são donos da História”. E a História ainda não terminou!