Tribuna Ribeirão
Cultura

Silva expande-se para lançar ‘Cinco’

Por Julio Maria

Silva segue seus movimentos sutis mas precisos o suficiente para não ficar no mesmo lugar, mesmo quando esse lugar parecia tão aprazível. Antes que tudo começasse a ganhar os vultos que ganharam, seu nome arrebanhou alguns milhares de seguidores em 2012 por conta de um EP de seis canções feito em casa. Mesmo a imprensa de papel o descobriu e Silva, eletrônico e autossuficiente, partiu para um álbum em 2012, Claridão. Era o tempo de olhar para os lados e se guiar por aquilo que parecia mais seguro. “Eu sempre fui muito de querer saber o que os outros faziam, queria saber qual era a banda do momento e me guiar por isso. Minha paixão por música me levava a querer ouvir de tudo, estar antenado.”

Ao lançar seu 5º álbum de músicas inéditas, tirando outros cinco captados em turnês, Silva é fruto de uma honestidade sem planejamentos e uma sonoridade sem egos que o levou a furar a bolha. “Eu nunca pensei em fazer shows”, conta ele, aos 32 anos

E o álbum que sai agora, chamado Cinco, é outro passo nesse caminho que o leva para cada vez mais longe de um segmento fechado. Sem bandeiras hasteadas muito alto, ele faz da canção um norte e da leveza quase que uma causa às avessas. Sua voz que nunca grita talvez apareça em um plano ainda mais à frente do que nos últimos trabalhos e sua composição seria qualquer coisa como uma pós-bossa-nova-pós-pandêmica, se pudesse ser classificada.

Uma experiência bem pessoal o fez tomar o rumo das brasilidades que vieram pelos anos até chegar a Cinco. “Quando fui participar do Red Bull Station, eu, como o único brasileiro no evento, fui abordado por um rapaz da Alemanha que disse algo que eu não esperava: ‘Cara, posso te falar uma coisa? Você está aqui por causa de uma de suas músicas que tem um intervalo de sétima maior, uma harmonia que a deixa bem brasileira’. Fiquei chocado e parei para pensar.”

Cinco é assim, um álbum “humano”. Apesar de ele mesmo ter gravado quase todos os sons, não há resquícios de máquinas. Há uma força no jeito de pensar canções da Jovem Guarda, mesmo quando elas partem para levadas que poderiam sugerir outras influências, como o ska Facinho. Essa música tem a colaboração de Anitta, que canta nas regiões mais agudas sem fazer esforço. Aliás, uma região que Anitta poderia usar mais, pelo brilho que sua voz conseguiu ali.

São 14 canções novas feitas todas com um mesmo sentimento, uma mesma intenção. João Donato leva o álbum para a bossa definitiva quando aparece com seu piano em Quem Disse. “Essa foi a única gravada com todos no estúdio por ter sido antes da pandemia.” As ambiências seguem mesmo quando o disco poderia cair no samba com Má Situação, uma sugestão de partido alto, gravada e orquestrada por Pretinho da Serrinha, que tocou cuíca, cavaquinho, violão e fez um comentário interessante. “Você é da bossa nova mesmo, não é do samba”, disse, rindo das divisões puxadas para a calmaria. Silva conta que não teve mesmo uma vivência no samba, até pela religiosidade vivida dentro de sua casa. “Com pais crentes, nenhuma dessas músicas com sonoridades afro tocavam por lá. E eu sou um apaixonado por João Gilberto.”

Criolo chegou não para trazer suas influências, mas para entrar na onda. Soprou é um dos três ou quatro momentos do disco em que Silva, olha o susto dos pais evangélicos, cita termos de entidades do candomblé. Seria mais um samba, desta vez para lembrar as incursões ao Recôncavo Baiano, mas a gene do cantor não deixa a música chegar a tanto. Fica só a sugestão, mesmo com a segunda parte escrita por Criolo.

A bateria aparece de novo marcando o tempo no aro, algo dos tempos do samba jazz e, de novo, da bossa nova, em Você. Existe um bonito arranjo de cordas valorizando a poesia cheia de paixões. Quimera tem alguns teclados de outros tempos, mas talvez seja um texto enviado à imprensa com um faixa a faixa o que a defina melhor, sem cair em preconceitos de estilo: “Essa faixa traz uma mistura bastante inusitada. A melodia é brasileiríssima, a bateria tem um quê de Al Green, os sintetizadores trazem o ouvinte para 2020 e a melodia do refrão poderia ser de um pagode dos anos 90, mas não é bem assim que a gente deve entender uma música. A soma de todas essas ideias é o que faz dessa faixa uma criação sedutora.”

Das dificuldades de gravar a distância, algo que Silva faz bem antes de todo o planeta começar a fazer depois da pandemia, ele cita as vozes de seus convidados. Uma das poucas coisas que não são arrumadas em um programa de computador é a intenção. Um canto forte, nervoso, tenso ou um canto delicado, suave e sem firulas? “Isso a gente não muda em estúdio. Volume podemos colocar, mas nunca mexemos na proposta de uma voz.” A sorte foi que Criolo e Anitta já vieram bem colocados.

Logo depois do segundo álbum, Silva começou a se tornar um músico pop. E tornar-se um nome pop pode ser o maior dos pecados para a turma que nasce, cresce e morre em bolhas de seguidores de internet. Ao começar a fazer o caminho sem volta, sobretudo depois de gravar o disco cantando Marisa Monte, o mundo indie o olhou com algum desprezo. Ou inveja. “Ouvia coisas do tipo ‘é, agora ele tá ficando conhecido demais’. Eu morando com meus pais e as pessoas dizendo que eu estava rico. Tem gente que pratica o antissucesso como um esporte. Eu sempre fugi desse pensamento, adoro a ideia de fazer um show para muitas pessoas, todas cantando juntas.” Coerente com seus sonhos, e só a eles se deve ser leal, Silva lança Cinco.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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