Depois de sete horas, terminou no meio da tarde de sábado, 11 de março, a terceira cirurgia para separação das irmãs siamesas craniópagas Allana e Mariah, de pouco mais de dois anos de idade. Elas são de Piquerobi, na região de Presidente Prudente, no interior paulista, e nasceram unidas pela cabeça. O procedimento foi realizado na Unidade Campus do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) após ser minuciosamente planejado.
Tudo bem
As gêmeas responderam bem à nova intervenção e estão sendo cuidadas no Centro de Terapia Intensiva (CTI) Pediátrico do HC Criança acompanhadas pelos pais, Vinícius dos Santos e Talita Francisco Cestari. As irmãs estão se comunicando, movimentando-se e se alimentando bem. A intervenção foi realizada por equipe composta por cerca de 40 profissionais de diversas áreas como Neurocirurgia Pediátrica, Cirurgia Plástica, Pediatria, Radiologia, Enfermagem e de apoio.
Tecnologia
Assim como nas cirurgias anteriores, o procedimento foi minuciosamente planejado com exames clínicos, laboratoriais e de imagem de ressonância magnética e tomografia computadorizada. Tudo integrado a um sistema de realidade virtual que permite aos cirurgiões visualizar com óculos especiais a anatomia dos crânios, dos cérebros e dos vasos sanguíneos que serão abordados durante a cirurgia. A novidade nesta etapa foi a utilização de neuronavegador e realidade mista durante o procedimento cirúrgico.
Julho
A técnica utilizada foi desenvolvida e aprimorada pelo médico norte-americano James Goodrich (1946-2020) e prevê a separação por etapas. Dessa forma, a equipe médica ainda planeja mais uma cirurgia, quando será feita a separação total das irmãs, no fim de julho. Em abril, está previsto ainda um procedimento para a colocação de expansores de pele.
A incidência de gêmeos unidos pela cabeça é extremamente rara, representando um caso em cada 2,5 milhões de nascimentos. No Brasil, a primeira separação de siamesas craniópagas, as gêmeas Maria Ysadora e Maria Ysabelle, ocorreu em outubro de 2018, após cinco procedimentos cirúrgicos, pela equipe do HC de Ribeirão Preto e HC Criança.
Goodrich
O caso foi acompanhado pelo médico norte-americano James Goodrich, referência internacional em intervenções com gêmeos siameses e que faleceu por covid-19 em 2020. “Nós não podemos deixar de fazer uma referência ao Goodrich, porque foi a pessoa que mais trabalhou com esse tipo de caso tão complexo, tão difícil e tão raro.”
“Mas ele conseguiu com muita dedicação e viajando pelo mundo inteiro, inclusive vindo várias vezes a Ribeirão Preto, nos ajudar a estabelecer essa técnica”, afirma o professor Hélio Rubens Machado, chefe do setor de Neurocirurgia Pediátrica e líder da equipe. A previsão dos médicos é que este procedimento de sábado possa avançar em mais 25% a separação dos cérebros.
A projeção é ter conquistado 75% de individualização das artérias e vasos sanguíneos. Segundo o cirurgião plástico Jayme Farina Júnior, que também participou da separação das gêmeas Maria Ysabelle e Maria Ysadora, a equipe médica estuda a utilização de células-tronco para reconstrução dos crânios de Allana e Mariah.
Cearenses
Entre fevereiro e outubro de 2018, as gêmeas Maria Ysabelle e Maria Ysadora, à época com 2 anos, passaram por cinco cirurgias até a separação. Elas voltaram para Patacas, distrito de Aquiraz, distante 35 quilômetros de Fortaleza, no Ceará, onde nasceram, no final de março de 2019, acompanhadas pelos pais, Diego Freitas Farias e Débora Freitas.
O processo de separação das duas, em 2018, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, era inédito no Brasil até então. Agora, são acompanhadas em Fortaleza pelo neurologista Eduardo Jucá, médico responsável pela transferência das meninas para o HC de Ribeirão Preto, em 2017.
Elas receberam alta médica do HC Criança em 7 de dezembro de 2018. Todo o processo de separação das meninas foi custeado pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). Nos Estados Unidos, uma cirurgia de separação como a delas custa cerca de R$ 9 milhões.