Maria Ysabelle e Maria Ysadora, de 2 anos, gêmeas siamesas que nasceram unidas pela cabeça, devem ter alta do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP/USP), nesta sexta-feira, 7 de dezembro. Elas vão passar as festas (Natal e Ano-Novo) em Patacas, distrito de Aquiraz, distante 35 quilômetros de Fortaleza, no Ceará, onde nasceram, mas retornarão em janeiro para o período de reabilitação, que deve durar um ano.
Maria Ysadora foi submetida à uma pequena e simples cirurgia de reparação nesta quinta-feira (6). A equipe médica fez a correção de uma cicatriz. Antes, em 22 de novembro, a irmã Maria Ysabelle já havia passado por operação no HC para implante de pele na parte posterior da cabeça. Os dois procedimentos transcorreram sem incidentes e as meninas estão bem. Elas são consideradas gêmeas siamesas craniopagus. Para fazer história na medicina brasileira, a equipe do HC teve a ajuda fundamental da Gphantom.
A startup é ligada ao Supera Parque que produziu, em parceria com o Grupo de Inovação em Instrumentação Médica e Ultrassom (Giimus) do Departamento de Física da USP, simuladores clínicos para que os médicos pudessem treinar cada passo da complexa cirurgia. Os modelos físicos, também conhecidos por simuladores clínicos, permitiram que os profissionais pudessem interagir e verificar as conexões entre as estruturas, além das principais veias e artérias, planejando a melhor forma de executar a cirurgia, inédita no Brasil.
As gêmeas também ganharam “bonecas siamesas”. O brinquedo foi confeccionado por artesãs a pedido dos médicos e tem como objetivo facilitar a compreensão das meninas sobre o processo de separação. O pai das gêmeas, Diego Freitas Farias, conta que elas ainda estão se adaptando à nova vida. “Elas sentem falta uma da outra. Às vezes, jogam o brinquedinho para trás, colocam na cabeça. Fica cheio de brinquedo na cabeça. Daí, a gente fala que elas não estão mais juntas, estão ao lado uma da outra. Aos poucos, vão acostumando, é um processo”, diz.
As bonecas feitas em tecido têm os nomes de Maria Ysabelle e Maria Ysadora gravados na roupinha, além de cachinhos, como os cabelos das gêmeas. No topo da cabeça, as artesãs colocaram um velcro, que permite unir as duas, assim como as siamesas nasceram. “Fiquei muito emocionada porque relembrei como elas eram. No começo, quando eram mais novas, tinham esses cachinhos também. Eu acho que é bom elas entenderem, vou explicar como elas nasceram, que estão separadas, mas sempre unidas”, diz a mãe, Débora de Freitas.
As duas foram separadas há pouco mais de um mês depois de uma série de cinco cirurgias que começou em fevereiro. A separação definitiva ocorreu em 27 de outubro. As duas irmãs têm desenvolvimento normal, como qualquer criança da idade delas, estão aprendendo a falar, brincam juntas e até já ficam sentadas para se alimentar. No dia 7 deste mês, as irmãs deixaram a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do HC, onde passaram nove dias. No dia 31 de outubro, a equipe médica divulgou uma foto em que as gêmeas aparecem nos colos do pai Diego e da mãe Débora Freitas, separadas e com as cabeças enfaixadas.
As irmãs passaram por cinco cirurgias desde fevereiro. A última, como em todos os procedimentos que envolvem as siamesas, contou com apoio de 30 profissionais. O procedimento é inédito no Brasil. O médico norte-americano James Goodrich, referência mundial no assunto e que criou o método de separação de siamesas por etapas, acompanhou a operação. Segundo ele, antes da cirurgia por fases era muito difícil salvar as duas pessoas e os pais, muitas vezes, tinham de escolher quem sobreviveria.
A família está morando temporariamente no campus da USP com o apoio de voluntários. Esse tempo no HC é necessário para que a equipe veja se elas vão ter algum tipo de déficit. Todo o processo de separação das meninas é custeado pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). Nos Estados Unidos, uma cirurgia de separação como a delas custa cerca de R$ 9 milhões.
A equipe que participou da cirurgia de separação foi composta por neurocirurgiões, cirurgiões plásticos, neuroradiologistas, anestesistas, pediatras intensivistas e enfermeiros – foram homenageados pelo prefeito Duarte Nogueira Júnior (PSDB) e pela Câmara de Vereadores. Comandado pelo professor chefe do Departamento de Neurocirurgia Pediátrica, Hélio Rubens Machado, o procedimento foi dividido em cinco etapas para que pudesse ser concretizado.
A primeira operação ocorreu em 17 de fevereiro e durou cerca de sete horas. A segunda cirurgia, em 19 de maio, teve duração de oito horas. A terceira cirurgia ocorreu em 3 de agosto e se estendeu por oito horas. A quarta cirurgia aconteceu em 24 de agosto, quando os médicos implantaram expansores subcutâneos para dar elasticidade à pele e garantir que, na separação total de corpos houvesse tecido suficiente para cobrir os dois crânios. A última levou mais de 20 horas.