Em quase todo o território nacional, o futebol é o esporte mais popular. Mas, em uma cidade no interior de São Paulo, uma modalidade esportiva pouco comum tem sido tradição há mais de quatro décadas.
Com 126 mil habitantes, Sertãozinho, município na Região Metropolitana de Ribeirão Preto, é reconhecida pela Assembleia Legislativa como a “Capital Paulista do Hóquei sobre Patins”. O título foi instituído pela Lei nº 3.986/1983, de autoria do ex-deputado e ex-prefeito da cidade, Waldyr Alceu Trigo, e é a mais antiga chancela desse tipo reconhecida pela Alesp.
A cidade tem sua história ligada à produção agrícola e era conhecida pela sua principal cultura, a cana-de-açúcar, e a produção de etanol. Entretanto, no início da década de 1980, o município passou a ter um novo símbolo: o hóquei sobre patins.
“A importância é muito grande, pois foi o hóquei – aliado ao setor sucroenergético – que mostrou Sertãozinho para o Brasil e para o mundo”, defendeu Sílvio Blancacco, atual secretário municipal de Esporte e Lazer e ex-jogador de hóquei. Ele afirma ainda que, se alguém comentar sobre a cidade na Europa, “imediatamente” ligam o nome de Sertãozinho ao hóquei sobre patins.
Como tudo começou
A história é antiga e começa pouco tempo antes da chancela concedida pelo Parlamento. Vitor Santos, um dos fundadores do Sertãozinho Hóquei Clube, principal equipe do município, conta que o time nasceu de um projeto conjunto entre a prefeitura e um importante atleta da época, Haroldo Pérsio Requena.
Haroldo era jogador do Palmeiras e da seleção brasileira, mas morava em Ribeirão Preto, onde era tecladista e vocalista de uma banda. Para diminuir suas viagens, o astro do hóquei e um amigo, advogado na prefeitura de Sertãozinho, tiveram a ideia de criar um clube de hóquei na cidade.
Os dois levaram a proposta ao então prefeito, Waldyr Trigo, que acatou a ideia com uma condição: criar um time verdadeiramente competitivo e que brigaria por títulos em pouco tempo.
Para isso, Haroldo, que já havia rodado por alguns dos principais clubes paulistas, convenceu quatro colegas a compor o time fundador do Sertãozinho Hóquei Clube: o seu irmão, Antonio Dorian Requena, o Teco; José Manuel Rodrigues da Silva, o Mané; Paulo Peres, o Xixa; e Vitor Manuel Nogueira Santos.
Todos já eram jogadores e formaram o primeiro quinteto da história do clube. Logo em seu primeiro ano de existência, foram campeões paulistas e, rapidamente, se tornaram uma potência em âmbito estadual e nacional.
“Claro que eu nunca tinha ouvido falar de Sertãozinho. Imaginava que a cidade era aquele sertão, com a rua principal asfaltada e o resto tudo terra”, contou Vitor Santos, um dos integrantes do histórico time, sobre quando foi convidado a jogar na cidade. Hoje, além do jogador recordista de jogos (444) e gols (1180), Vitor é técnico e presidente do Sertãozinho Hóquei Clube.
Ele conta que, na época, a prefeitura considerava o projeto barato e apoiou integralmente a construção da equipe. O suporte, inclusive, incluiu a construção de um ginásio com capacidade para 6 mil pessoas.
A inauguração do Ginásio Pedro Ferreira dos Reis, conhecido como Docão, foi no Campeonato Brasileiro de Hóquei de 1982, que Sertãozinho sediava sob muita expectativa. Entretanto, o fundador e um dos astros do time, Haroldo Requena, faleceu em um acidente de carro enquanto ia de São Paulo à cidade uma semana antes do torneio.
Sob muita comoção, a equipe lutou, mas perdeu o campeonato na final para a Portuguesa. Apesar disso, a população abraçou o clube a partir dessa tragédia. “Foi aí que virou uma febre o hóquei em Sertãozinho. A gente perdeu um ídolo, mas se não fosse isso, talvez a gente estaria jogando em quadras menores, talvez a prefeitura e a população não tivessem dado o apoio que deu”, explicou Vitor.
Conquistando e recebendo o mundo
Em 1983, Sertãozinho foi a responsável por organizar a primeira edição do mundial de clubes da modalidade. A “I Taça Intercontinental de Hóquei em Patins” reuniu 8 equipes, entre europeus e sul-americanos, e foi vencida pelo Barcelona.
Neste ano, o ex-prefeito da cidade e então deputado estadual, Waldyr Trigo, protocolou o PL 261/1983, que concedia a Sertãozinho o título de “Capital Paulista do Hóquei sobre Patins”.
Falecido em 2011, o deputado usou, em sua justificativa ao projeto, a efervescência do cenário hoquístico na cidade e a realização do mundialito. “Está configurada a presença de Sertãozinho nessa área esportiva, sendo mesmo considerado o maior propugnador do hóquei no país”, disse Trigo.
A partir daí, o clube da cidade se consolidou como a maior potência do esporte no Estado e no país. Hoje, aos 43 anos de vida, o Sertãozinho Hóquei Clube acumula 27 títulos paulistas, 21 brasileiros, 3 sul-americanos e um mundial, além de diversas conquistas de torneios menores, sendo, de longe, o maior campeão da modalidade no país.
O Docão ainda foi palco de outros campeonatos internacionais. Entre eles, a 2ª edição do mundialito de clubes, já realizado na cidade e, desta vez, conquistado pelo time da casa. Sertãozinho ainda recebeu 4 seleções para a disputa do Pan-americano de Hóquei sobre patins, vencido pelo Brasil.