Por Sergio Neto
Uns amam, outros não o suportam. Neymar já foi manchete de inúmeras notícias, seja por suas polêmicas dentro e fora dos campos, ou por suas jogadas, seus gols e suas conquistas, como quando comandou a seleção brasileira na inédita medalha de ouro em Jogos Olímpicos, no Rio-2016, ou quando liderou o Paris Saint-Germain em sua primeira final da história de Liga dos Campeões.
O fato é que poucos conhecem realmente como é o cotidiano e a vida pessoal de Neymar. Seus conflitos internos e externos, seus gostos e costumes, seu convívio com seu pai e empresário, seus amigos e todas as pessoas que o cercam. Tudo isto e muito mais é trazido pela série documental “Neymar: O Caos Perfeito”, da Netflix. A produção se propõe a contar como é a vida do astro do futebol brasileiro de uma forma que nenhum torcedor do Brasil ou do mundo sequer imaginou.
A série estreia mundialmente na plataforma de streaming no dia 25 de janeiro, mas a reportagem do Estadão já teve acesso exclusivo de forma antecipada aos três episódios desta história. O responsável por dirigir o projeto é David Charles Rodrigues, cineasta que nasceu nos Estados Unidos, mas viveu boa parte da sua vida em território nacional e que se identifica como brasileiro.
David fez, durante um bom tempo, parte da rotina de Neymar. Seja no Paris Saint-Germain ou na seleção brasileira. Ele conta a história do camisa 10 desde sua aparição nas categorias de base do Santos, sua revelação ao futebol brasileiro e mundial, a primeira convocação e trajetória até agora na delegação nacional, a chegada ao mercado europeu com o contrato com o Barcelona, a polêmica transferência ao Paris Saint-Germain e o ‘quase-retorno’ ao time catalão. Mas, acima de tudo, o lado de Neymar que ninguém conhece.
“Eu acho, e é uma coisa que eu até gostaria de ter explorado mais na narrativa, mas que não deu certo por falta de tempo… eu acho que ele é uma pessoa muito criativa. Eu acho que a criatividade dele, você vê em campo. Mas eu acho que tem outros aspectos na vida dele. Eu acho que a criatividade dele vai se revelar mais ainda depois que ele se aposentar, depois que ele tiver tempo realmente de explorar esse lado”, contou David.
O diretor revela que o próprio título da série foi Neymar quem sugeriu. “Ele me ligou um dia e falou o que eu achava. Bem humilde, na verdade. Eu tinha escrito umas mil ideias, mil versões, mas acho que essa realmente encapsulou a série da melhor forma possível. E isso foi muito antes de ele ver a série Ele não tinha visto nada. Ele não tinha ideia do que eu estava construindo. Isso mostra a visão criativa dele”, acrescentou.
David fala ainda que, além da criatividade, outra coisa que o impactou bastante foi a identidade forte de Neymar. “A consistência da personalidade dele é até admirável. Eu nunca vi ninguém assim.”, declarou. “As pessoas mudam quando mudam de país, de emprego, de vida… Você vai mudando o seu jeito de ser e ele é uma das poucas pessoas que eu conheci na minha vida que continua evoluindo como ser humano, mas a essência dele é a mesma desde pequeno.”
POLÊMICO E DIVISÍVEL – O que ninguém nega, nem o próprio diretor, é a capacidade de Neymar de ser protagonista e de gerar manchetes de notícias onde estiver. Seja pelo lado bom, seja pelo lado ruim. Tantos altos e baixos fazem de Neymar uma pessoa que divide a opinião pública. Tem os que o idolatram, e tem os que não o suportam. Para David, que conviveu diretamente com estes dois momentos do astro, existem também duas hipóteses que justificam a divergência de opiniões.
“A primeira é que ele é apenas o símbolo do momento dividido que estamos vivendo no mundo inteiro. Não só no Brasil, mas aqui nos Estados Unidos. Essa divisão que vem sendo criada, seja ela por mídias sociais ou pela imprensa ou só pela evolução da nossa história mundial”, analisou o cineasta. “Acho que você sempre tem que pegar algumas pessoas, especialmente pessoas famosas ou ídolos, e elas acabam virando símbolos desta divisão. Eu acho que tem a ver com o momento histórico que estamos vivendo e, por sorte ou por azar, o Neymar é a estrela deste momento.”
Em uma conversa de David com o editor do jornal esportivo francês L’Équipe, a dupla acabou chegando à segunda hipótese. Os dois compararam Messi e Neymar e a conclusão a que chegaram foi bastante reveladora. “Ele me falou que com Messi, você passa duas horas por semana com ele. Talvez quatro, se tiver dois jogos na semana. É o tempo que ele está em campo. Fora de campo você não pensa, ou conhece, ou vive o Messi”, explicou.
“Já o Neymar está no ar 24 horas por dia. A diferença é como se você tivesse um amigo que você vê uma vez por mês e outro amigo que você vive com ele. Aquele que você vive todos os dias você acaba vendo todos os lados da pessoa e vão ter coisas que você gosta e coisas que não gosta.”
Para contar a história do polêmico jogador, de uma personalidade tão particular do futebol brasileiro e mundial, foram ouvidas diversas personalidade do mundo esportivo. Foram colhidos depoimentos de importantes jornalistas brasileiros e estrangeiros e outras pessoas que marcaram a carreira de Neymar: Lima, o “Curinga da Vila” e ídolo do Santos, e jogadores como Lionel Messi, Luis Suárez, Daniel Alves, Thiago Silva, Kylian Mbappé e David Beckham.
A série mostra que, desde cedo, Neymar teve de viver com uma realidade de holofotes, glamour e outras consequência que a fama precoce traz. Boa parte do documentário mostra que o astro tem de lidar com dois mundos: esportivo e das celebridades. Neste meio, família e amigos surgem como alicerces para que o camisa 10 continue em busca de seus objetivos pessoais e profissionais, mesmo que estes entrem em conflito em determinados momentos.
Produzir o projeto, entretanto, não foi fácil. David conta dirigir um documentário sobre alguém que está 24 horas por dia nos holofotes não é tarefa simples. O espectador deve assistir aos episódios sem conceitos antecipados, segundo o diretor. “O segredo é entrar na história de cabeça e de coração aberto. De não usar nenhum julgamento próprio, ou da mídia, da carreira ou da história dele. De chegar lá e de ver ele no tempo presente, como quando você conhece uma pessoa nova na sua vida.”
“Foi essa relação que eu acabei estabelecendo com ele e com a família, que acabou abrindo todas as portas e que nos deu a oportunidade de criar uma série tão íntima e tão reveladora. Não no sentido de fofoca, mas reveladora no sentido de realmente mostrar o lado humano dele e de mostrar a vida dele como ela é”, completou o diretor.
“É muito difícil filmar uma pessoa que é filmada o tempo inteiro E mostrar um lado dele que você não conhecia. Para mim, é uma honra poder apresentar um lado novo do Neymar”, afirmou o cineasta. “Lógico que na série vão ter vários lados que as pessoas já conhecem. Mas tem um lado muito sincero, muito íntimo que eu acho que muita gente ainda não conhece. Apresentar esse Neymar para as pessoas é muito especial para mim poder fazer isso.”
CARREIRA E IDENTIDADE NACIONAL – Assim como foi um desafio para Neymar abrir as portas de sua vida, também foi para o diretor entrar por esta. Ele diz que este trabalho o reconectou com a infância e adolescência vivida no Brasil. David Charles Rodrigues mora na Califórnia há 16 anos. Mas a família e o pai ainda estão por aqui. O contato pessoal e cultural, por mais que distante, é constante.
“Eu sou cruzeirense (risos). Meu pai jogava basquete no Cruzeiro Eu cresci no bar do Cruzeiro indo com meu pai. Ele era amigo do Tostão, do Dirceu Lopes, do Raul Plassmann…”, revelou. “Para mim foi legal me reconectar com esse lado da minha vida que estava bem distante. Por isso foi importante para mim ir até o bar do Santos e filmar lá, filmar o seu Lima… De resgatar um lado mais poético, mais nostálgico do futebol que se perdeu na minha vida, mas também um pouco no mundo mesmo.”
David nasceu nos Estados Unidos, mas viveu no Brasil dos 8 aos 25 anos. Ele mesmo se identifica como brasileiro nos lugares onde vai. “Poder mostrar um lado mais real do Brasil. Mesmo dentro de uma ‘surrealidade’ de um atleta como Neymar. É lógico que não é a realidade de um brasileiro normal. Mas eu queria muito apresentar de uma forma não clichê.”
“O jeito que as pessoas olham para o Brasil… O jeito que o Brasil é apresentado para o mundo nem sempre é de uma forma que o brasileiro considera real. Para mim foi muito importante mostrar esse lado o máximo que eu pude”, disse. “Tem várias dimensões de brasilidade que foram importantes para mim. Uma delas foi a música.”
Através da pesquisa pela trilha sonora para o documentário, David pôde fortalecer o laços que já tinha com a cultura do País
“Eu sou muito amigo do DJ João Brasil. No começo da série eu pedi para ele criar uma playlist”, conta o cineasta. “Eu perguntei: qual seria a playlist que o Neymar ouviria? E o João criou pra mim. E dentro desta playlist tinha essa música do Rincón (Sapiência), que é uma das minhas músicas favoritas na série, que traz esse Brasil de agora para o mundo. Para mim foi muito importante fazer e mostrar isso.”
MENSAGEM – “Assistir sem preconceito. Assistir como se tivesse conhecendo uma pessoa pela primeira vez. Talvez você saiba a história do Neymar. Talvez você tenha opiniões sobre ele vendo a mídia e as redes sociais dele. Mas, assistindo a este documentário, eu acho que é uma oportunidade de você conhecer a pessoa dele e da família dele. É uma trajetória muito especial e que poucas pessoas têm a oportunidade de vivenciar. É uma forma da gente compartilhar essa história com as pessoas”, finalizou o diretor.