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Política

Sergio Moro ‘O alvo são as instituições’

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou ao Estado que não vai se afastar do cargo. Alvo de ataque cibernético e de vazamento de diálogos atribuídos a ele com pro­curadores da Lava Jato, no Telegram, Moro disse que o País está diante de “um crime em andamento”, promovido, conforme sua avaliação, por uma organização criminosa profissional. Moro afirmou que não há riscos de anula­ção do processo do triplex do Guarujá, que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-juiz da Operação Lava Jato vê viés político -partidário na divulgação das mensagens tiradas de aplica­tivo do coordenador da for­ça-tarefa em Curitiba, Del­tan Dallagnol. Ele falou em “sensacionalismo” e disse que réus e investigados da Lava Jato teriam interesse no caso. O ministro não reconhece a autenticidade das mensagens e, na primeira entrevista após ter virado alvo dos hackers, desafiou a divulgação com­pleta do material.

A seguir, os principais tre­chos da entrevista.

Estadão: O senhor está preocupado, está dormindo em paz?
Sérgio Moro: Fui vítima de um ataque criminoso de hackers. Clonaram meu te­lefone, tentaram obter dados do meu aparelho celular, de aplicativos. Até onde tenho conhecimento, não foram obtidos dados. Mas os pro­curadores foram vítimas de hackers e agora está havendo essa divulgação indevida. Es­tou absolutamente tranquilo em relação à natureza das minhas comunicações. No fundo, esse processo da Lava Jato é um processo muito complicado.

Estadão: O senhor era o juiz exclusivo dos processos penais da Lava Jato, era o corregedor da Lava Jato?
Moro: Exatamente, às ve­zes as pessoas tinham como referência a 13.ª Vara e o juiz, no meu caso, e levavam todo tipo de informação, de demanda. Então, as pesso­as ouviam histórias verda­deiras, plausíveis e, às vezes, histórias fantasiosas. E, mui­tas vezes, em vez de levar ao Ministério Público, levavam a mim. O que a gente fazia? A gente mandava para o Mi­nistério Público. Mandava normalmente pelos meios formais, mas, às vezes, existia uma situação da dinâmica ali do dia, naquela correria, e en­viava por mensagem.

Estadão: Recebia deman­das de advogados?
Moro: Sim, recebia. Pro­curadores, advogados, o tempo todo. É normal trocar informação, claro, dentro da licitude. Mas, assim, o que tem que se entender é que esses aplicativos de mensa­gens, eles apenas aceleram a comunicação. Isso do juiz receber procuradores, dele­gados, conversar com dele­gado, juiz receber advogados, receber demanda de advoga­dos, acontece o tempo todo. Às vezes chegava lá o Minis­tério Público: “Ah, vou pedir a prisão preventiva do fulano X”. Às vezes, o juiz tem uma análise lá e fala: “Ó, precisa de prova robusta para pedir a prisão preventiva”. Assim como o advogado chega lá e diz: “Vou pedir a revogação da prisão preventiva do meu cliente”. Às vezes o juiz fala: “Olha, o seu cliente está em uma situação difícil, seria in­teressante demonstrar a cor­reção do comportamento do cliente, afastar essa suspeita”. Essa interlocução é muito co­mum.

Estadão: Os próprios ad­vogados usam a expressão embargos auriculares quan­do vão conversar com o ma­gistrado.
Moro: Tem essa expres­são. Mas é muito comum. Na dimensão da Lava Jato, com todas as diligências que eram ordenadas, às vezes surgiam incidentes no meio dessas buscas, às vezes surgia a ne­cessidade de coisas muita ur­gentes, era comum você ser contatado, seja verbalmente, seja por aplicativos, mas com demandas lícitas. A questão do aplicativo é apenas um meio.

Estadão: Não contamina a Operação Lava Jato?
Moro: Não, de forma ne­nhuma. Depois de todas as decisões, tudo era formali­zado, colocado nos autos. Agora, existiam às vezes si­tuações de urgência, even­tualmente você está ali e faz um comentário de alguma coisa que não tem nada a ver com o processo. Isso não tem nenhum comprometimento das provas, das acusações, do papel separado entre o juiz, o procurador e o advogado. Não existe também nenhuma espécie, vamos dizer assim… Até ouvi uma expressão lá de que eu era “chefe da Lava Jato”, isso é uma falsidade.

Estadão: Não houve con­luio?
Moro: Não tem nada, nunca houve esse tipo de con­luio. Tanto assim, que muitas diligências requeridas pelo Ministério Público foram indeferidas, várias prisões preventivas. O pessoal tem aquela impressão de que o juiz Moro era muito rigoroso, mas muitas prisões preventi­vas foram indeferidas, várias absolvições foram proferidas. Não existe conluio. Agora, a dinâmica de um caso dessa dimensão leva a esse debate mais dinâmico, que às vezes pode envolver essa troca de conversas pessoais ou por aplicativos. Mas é só uma for­ma de acelerar o que vai ser decidido no processo.

Estadão: O processo tri­plex está sob risco?
Moro: Olha, se tiver uma análise cautelosa, se nós tirar­mos o sensacionalismo que algumas pessoas interessadas estão fazendo, não existe ne­nhum problema ali. Foi um caso decidido com absoluta imparcialidade com base nas provas, sem qualquer espécie de direcionamento, aconse­lhamento ou coisa que o va­lha. Um dos episódios que fa­lam seria a mensagem minha mais delicada que apareceu. Eu fico numa situação delica­da porque eu não posso reco­nhecer a autenticidade dessas mensagens, porque é assim, em vez de eles apresentarem tudo, e que a gente possa ve­rificar a integridade desse material, eles estão com essa ideia de apresentar paulatina­mente. E eu não excluo a pos­sibilidade de serem inseridos trechos modificados, porque eles não se dignaram nem se­quer a apresentar o material a autoridades independentes para verificação.

Estadão: Em algum mo­mento chegou informação de interesse da defesa ao se­nhor e que foi encaminhada à defesa?
Moro: Chegavam muitas informações, aquilo lá tinha virado uma caixa de resso­nância pela publicidade das informações. Tudo que che­gava que era relevante, ou a gente encaminhava para a polícia ou Ministério Público, seja lá se a informação even­tualmente beneficiava defesa ou acusação. O que importa é o descobrimento da verdade.

Estadão: O que chegou o senhor passou para frente? Houve seletividade?
Moro: Não, não. Sendo muito franco, essas notícias-crime chegavam toda hora. O que tem que fazer o juiz? Ele tem que transmitir isso para frente.

Estadão: O que foi di­vulgado até agora o senhor reconhece como fala sua? A frase ‘In Fux we trust’, por exemplo?
Moro: Tem duas dificul­dades, essas invasões crimi­nosas dos dispositivos dos procuradores e a tentativa de invasão do meu, eles, até onde sei, não conseguiram pegar o conteúdo do meu Te­legram. Poderiam ter pego, não tem problema nenhum quanto a isso. Mas não con­seguiram, porque não estou no Telegram. Não tenho es­sas mensagens. Veja, são fa­tos que aconteceram dois três anos atrás. Não tenho memó­ria de tudo. Vejo algumas coi­sas que podem ter sido coisas que eu tenha dito. Agora po­dem ter inserções maliciosas.

Estadão: A investigação chegará aos hackers?
Moro: Espero que sim. Existem várias possibilida­des, de ter sido um hacker isolado. Eu, particularmente, acho que isso não foi tarefa de um adolescente com espi­nhas na frente do computa­dor, mas de um grupo crimi­noso organizado

Estadão: O alvo é a Lava Jato ou o governo Bolsonaro e as reformas?
Moro: Acho que o alvo são as instituições. Se vamos tolerar esse tipo de compor­tamento, hackers criminosos que conseguem abrigo em veículos não sei se da im­prensa, se a gente pode falar dessa forma, para divulgar isso. Então quer dizer se amanhã invadirem os telefo­nes de jornais, de empresas, dos ministros do Supremo, de presidente do Senado, de presidente da Câmara, vão aceitar que isso seja divulga­do por esse mesmo veículo? Me parece, veja bem, essa Operação Lava Jato foi muito difícil, hercúleo, pode ter nis­so as críticas pontuais, mas houve uma mudança de pa­drão do tratamento do Bra­sil da impunidade da grande corrupção. Então pessoas que eram normalmente impunes, mesmo tendo cometido cri­mes de corrupção graves, passaram e ser punidos. Isso gerou muitos inimigos.

Estadão: O objetivo serve a algum investigado da Lava Jato? Vê riscos de anulação dos processos?
Moro: Acho que há muito sensacionalismo e falta uma análise mais cautelosa. Se for­mos analisar o que saiu não vi nada demais. A sociedade foi às ruas, apoiou a pauta anti­corrupção, como continua apoiando.

Estadão: Pensou em se afastar do cargo?
Moro: Não, eu me afasta­ria se houvesse uma situação que levasse à conclusão de que tenha havido um com­portamento impróprio da minha parte. Acho que é o contrário. Agora estou em outra situação, estou como ministro da Justiça, não mais como juiz, mas tudo o que eu fiz naquele período foi resul­tado de um trabalho difícil.

Estadão: O presidente Bolsonaro o apoiou?
Moro: Sim, desde o iní­cio o presidente me apoiou. Agora, esse foi um trabalho realizado enquanto eu não era ministro. Então não é responsabilidade do atual go­verno. O presidente reconhe­ce e já deu demonstrações públicas nesse sentido de que não se vislumbra uma anor­malidade que se coloque em xeque a minha honestidade.

Estadão: Em um diálogo que lhe é atribuído, o senhor fala em limpar o Congresso. O senhor reconhece essa fala como sua?
Moro: Não, não reconhe­ço a autenticidade desse tipo de afirmação. Vamos dizer assim, em uma conversa co­loquial, pode ser até algo que se diga “olha, tem um problema”. Vamos dizer que estamos falando de um Con­gresso que na época tinha o Eduardo Cunha como presi­dente (da Câmara), uma pes­soa que comprovadamente cometeu crimes, tinha contas milionárias na Suíça, então era uma situação bastante diferente. Mas eu não tenho como recordar se há dois, três anos atrás eu tenha efetuado uma afirmação dessa espécie.

Estadão: O que o senhor vai dizer no Senado na pró­xima semana?
Moro: Eu me coloquei à disposição para esclarecer, eu não tenho nenhum receio do conteúdo de mensagens que eu tenha eventualmente enviado ou recebido durante minha carreira profissional. Sempre me pautei pela legali­dade e estou me colocando à disposição para esclarecer no que eu posso.

Estadão: Há indício de que a base dos ataques seja fora do País, uma participa­ção internacional de hacke­rs?
Moro: Quem especulava de que tudo era uma arma­ção da CIA era o Partido dos Trabalhadores em relação à Operação Lava Jato. Todas as opções estão na mesa, a investigação é da Polícia Fe­deral e eu acompanho apenas à distância.

Estadão: O senhor fazia dupla verificação o seu Te­legram?
Moro: Eu não estava no Telegram.

Estadão: Mas quando usava?
Moro: Não.

Estadão: Mandava áu­dios pelo Telegram?
Moro: Não, não, de forma alguma.

Estadão: Esse caso pode derrubar a prisão em segun­da instância no STF e fazer voltar a discussão sobre a Lei de Abuso de Autoridade no Congresso?
Moro: São questões inde­pendentes. Não acredito que o Supremo vai fazer qualquer alteração em relação à prisão em segunda instância decor­rente desse fato. Quanto ao Congresso, também me pare­ce que não.

Estadão: O diálogo sobre o grampo que pegou Lula e Dilma à véspera da nomea­ção do ex-presidente como ministro o senhor não reco­nhece como seu?
Moro: Veja, isso foi dito na época dos fatos, lá em 2016. Houve uma posição da polícia requerendo o le­vantamento do sigilo, houve uma posição do Ministério Público requerendo o levan­tamento do sigilo. E houve uma decisão que eu tomei de levantar o sigilo. Se isso foi tratado em mensagens, ali, teria sido tratado dessa for­ma. Mas não teve nenhum comprometimento ali de im­parcialidade no processo.

Estadão: O PT acusa o senhor de ter feito parte de uma trama para tirar Lula do cenário político e de ter influenciado no resultado da eleição em 2018.
Moro: Me parece muito claro que existe um viés po­lítico-partidário na divulga­ção dessas mensagens. Uma passa pela soltura de um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, que é o ex-presidente Lula, é uma pena. Ele foi condenado em mais de uma instância e por mais de um juiz de primeira instância. Sempre disse com muita clareza que para mim é muito triste ter proferido essa decisão. Isso me trouxe um grande peso, pessoal. Cons­tantemente sou atacado por ter apenas cumprido o meu dever.

Estadão: O senhor não teme novas publicações?
Moro: Não, pode ser que tenham novas publicações. Mas assim, eu sempre pautei o meu trabalho pela legali­dade. Os meus diálogos e as minhas conversas com os procuradores, com advoga­dos, com policiais, sempre caminharam no âmbito da li­citude. Não tem nada ali, fora sensacionalismo barato.

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