Conceição Lima*
A composição e o arranjo musical (quem diria?) não são mais habilidades exclusivas de seres humanos talentosos e especializados. É que as máquinas inteligentes já “aprenderam” a fazer isso muito bem e colocam suas ferramentas a serviço de todo o mundo. Qualquer um, agora, pode criar sua música a bel prazer. Alguns ficaram mais que entusiasmados com a possibilidade. Outros, nem tanto! A maioria dos músicos está mesmo é alarmada e com toda a razão! Essa concorrência levada a efeito pela IA é, decididamente, um desastre financeiro para autores e compositores musicais.
Ao abocanhar cerca de 20% das receitas de plataformas tradicionais de streaming e 60% das bibliotecas de música nos próximos anos, a IA pode criar um prejuízo alarmante para os produtores humanos da área. Até os DJs parecem estar com os dias contados, visto que o YouTube, ao aderir à era da IA, testa uma ferramenta de remix de músicas extraídas de seus “shorts” (vídeos curtos). Além de remixar músicas, os usuários podem usar vozes clonadas em suas trilhas, mediante a permissão dos cantores que concordarem com isso. Inclusive, o YouTube tem abordado gravadoras famosas para licenciar músicas no treinamento de sua IA.
Aliás, diga-se de passagem, nem só os músicos serão prejudicados. Outros profissionais de audiovisual, como os dubladores e produtores de legendas, terão um prejuízo até maior. Em última análise, isso pode representar o fim de carreiras de milhares de pessoas.
O fato é que Inteligência Artificial, com certeza, já revolucionou a indústria musical, transformando a maneira como a música é criada e consumida. Prova disso é a gama de ferramentas disponíveis para criar melodias, harmonias e ritmos de forma artificial, imitando os estilos de grandes compositores ou até mesmo criando novos estilos. Além disso, a IA também já avançou para o campo do arranjo musical, gerando acordes e progressões harmônicas interessantes, sugerindo variações melódicas e até mesmo criando arranjos instrumentais completos. Aliás, vale a pena conhecer algumas delas, seu perfil, suas vantagens e desvantagens:
Amper Music – eis a ferramenta perfeita para músicas eletrônicas, rock e hip hop. Além de intuitiva, ou seja, fácil de usar, ela oferece uma biblioteca de sons isentos de direitos autorais. Sua principal desvantagem é uma certa pobreza de detalhes de composição; portanto, não atende bem aos que buscam uma personalização mais avançada de sua criação.
AIVA (Artificial Intelligence Virtual Artist) – essa já é uma especialista em música clássica e neoclássica, capaz de gerar peças completas de alta qualidade. Utilizando uma vasta biblioteca de partituras históricas, a AIVA é capaz de criar peças que imitam o estilo de grandes mestres como Mozart, Beethoven e Chopin. Mesmo assim, suas composições, obviamente, podem soar artificiais e previsíveis, pois a IA ainda não consegue criar nada de genial, só imitar.
Boomy – eis outra ferramenta muito simples, dedicada exclusivamente à música eletrônica e seus subgêneros (house, techno e dubstep). Ótima para iniciantes e com sons isentos de direitos autorais. Todavia, como sempre, as músicas geradas são repetitivas e nada complexas.
Soundraw – essa já é uma plataforma bem mais completa, permitindo ao usuário definir o tipo de melodia e o gênero musical desejado, além de escolher os instrumentos utilizados e o ritmo da batida. Assim como as anteriores, o Soundraw não cobra direitos autorais pelas músicas geradas, mas a sua versão gratuita limita o download das músicas completas.
Mubert – essa plataforma é específica para gerar músicas ambiente e de fundo em loop infinito, muito apropriadas para a meditação, o estudo, o relaxamento, podendo variar com o humor e o contexto do usuário. Todavia, a sua biblioteca (também de sons isentos de direitos autorais) não permite a criação de músicas com estrutura tradicional.
Suno AI – com esta ferramenta, qualquer leigo consegue compor canções únicas e originais, de alta qualidade, a partir de comandos de textos. Tudo vai depender da clareza das instruções textuais fornecidas, ou seja, de um “prompt” muito bem elaborado.
A situação parece mesmo desesperadora para os artistas humanos, mas não é bem assim. Apesar dos avanços tecnológicos, a criatividade humana sempre será essencial em qualquer cenário artístico. A IA pode ser, sim, poderosa, mas não substitui o talento e a expressão artística genuína. Existe, pois, um “jeitinho”, que não é propriamente brasileiro: o humano “inteligente” deve é tirar proveito da situação. Que tal os músicos usarem a Inteligência Artificial de forma complementar à sua própria criatividade? Assim, deixam para as máquinas a parte chata e tediosa da questão e depois dão o seu toque humano especial ao produto. Dessa forma, é possível aproveitar os benefícios da tecnologia sem comprometer a autenticidade e a originalidade da criação. E, de quebra, os artistas da música continuarão a garantir o seu sustento e o seu lugar na história. Quando se trata do avanço tecnológico, o melhor mesmo é “aderir”. Não convém, de modo algum, enterrar a cabeça na areia…
* Professora de ensino superior aposentada, escritora e palestrante, é membro eleito da Academia Ribeirãopretana de Letras e fundadora da Academia Feminina Sul-Mineira de Letras