As irmãs siamesas Maria Ysabelle e Maria Ysadora, de 2 anos, que nasceram unidas pela cabeça, passaram mais de 20 horas no Centro Cirúrgico do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto – vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) –, entre a manhã de sábado, 27 de outubro, e a madrugada de domingo (28), mas saíram vitoriosas da quinta e última batalha. Separadas, elas passam bem, já respiram sem a ajuda de aparelhos e estão na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica. A expectativa, agora, paira sobre o dia em que as duas poderão trocar olhares, já que elas nunca se viram.
A quinta cirurgia, como em todos os procedimentos que envolvem as siamesas, envolveu 30 profissionais, começou às sete da manhã e terminou 20 horas depois, após às três da manhã. O procedimento é inédito no Brasil. O médico norte-americano James Goodrich, referência mundial no assunto e que criou o método de separação de siamesas por etapas, acompanhou a operação. Ele explica que, antes da cirurgia por fases, era muito difícil salvar as duas pessoas e os pais, muitas vezes, tinham de escolher quem sobreviveria.
Os pais de Maria Ysabelle e Maria Ysadora acompanharam toda a cirurgia e já visitaram as meninas na UTI Pediátrica. Inclusive, já pegaram ambas no colo. A expectativa agora é que as irmãs Maria Ysabelle e Maria Ysadora comecem a se alimentar normalmente em até dois dias. As meninas estão com as cabeças enfaixadas, mas já ficam nos braços dos pais. A pediatra Maristella Francisco dos Reis explicou que elas ainda estão sonolentas, uma vez que ficaram anestesiadas por um longo período. Elas disse que ficou emocionada ao encontrar a Ysabelle no colo da mãe.
O neurocirurgião pediátrico Ricardo Santos de Oliveira explicou que a quinta e última cirurgia realizada para separar as siamesas foi a mais complexa porque envolveu a separação da parte dos cérebros que estava unida, além da reconstrução da calota craniana e da pele, com tecidos retirados das próprias meninas. “Havia a necessidade de se reconstruir a membrana e, em seguida, reconstruir toda a parte óssea. Então, foi feito um trabalho minucioso. Enquanto operávamos as crianças, a equipe da cirurgia plástica preparava os fragmentos ósseos que foram usados, que são das mesmas crianças. Não utilizamos nenhum adicional”, disse.
Oliveira contou que a equipe se emocionou ao separar fisicamente as gêmeas – o que ocorreu exatamente às 21h09 de sábado (28). A logística exigiu que o médico segurasse uma delas nos braços, enquanto o neurocirurgião Marcelo Volpon Santos segurava a outra, para que as macas fossem divididas e a equipe iniciasse a reconstrução óssea.
Reabilitação
De acordo com Santos, as siamesas devem permanecer no Hospital das Clínicas por mais algumas semanas e iniciar o processo de reabilitação na mesma unidade, para só depois retornar para casa. A família, que é de Patacas, distrito de Aquiraz (CE), está morando temporariamente no campus da USP. Esse tempo no HC é necessário para que a equipe veja se elas vão ter algum tipo de déficit. Por enquanto, elas estão bem, mexem os braços, as pernas, estão respondendo. “A gente precisa saber qual vai ser o resultado final do ponto de vista neurológico. Como vai ser o desenvolvimento de fala, de atenção, a parte intelectual. Tudo isso vai ter que ser visto e estimulado”, explica.
Antes de iniciar a etapa de reabilitação, Ysabelle deve ser submetida a mais uma cirurgia para cobrir uma parte da nuca que ficou sem pele. O cirurgião plástico Jayme Farina Junior explicou que a abertura está coberta provisoriamente por uma membrana composta por colágeno e o “curativo” não atrapalha a recuperação. “Precisará de um enxerto de pele que será feito em duas, três semanas. O retalho cobre o topo da cabeça e fica faltando uma área na nuca que vai receber um enxerto de pele. É um pouco diferente, é uma pele bem fininha, que vamos retirar da coxa dela”, afirmou.
Santos afirmou ainda que o processo de reabilitação é prolongado, mas nada impede que seja continuado em Fortaleza (CE), afinal, desde que nasceram, as siamesas já eram acompanhadas no estado natal pelo neurocirurgião Eduardo Jucá. O retorno da família para casa dependerá da evolução do quadro clínico das meninas.
Trajetória de luta
Naturais de Patacas, distrito da cearense Aquiraz e de distantes 35 quilômetros de Fortaleza, as irmãs siamesas Maria Ysabelle e Maria Ysadora estão sendo acompanhadas por uma equipe multidisciplinar do Hospital das Clínicas. Entretanto, a luta dos pais das meninas para separá-las começou no Ceará, com o neurocirurgião pediátrico Eduardo Juca. Ao tomar conhecimento do caso das irmãs, alguns meses após o nascimento delas, ele passou a fazer o acompanhamento médico das meninas.
Em função da complexidade do caso, decidiu encaminhar as duas para o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, onde ele estudou. Jucá foi aluno da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto e se especializou em neurocirugia pediátrica. Todo processo de separação das meninas é custeado pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS). Nos Estados Unidos, um processo de separação como o delas custa cerca de R$ 9 milhões.