A falta de insumos e a alta de preços de matérias-primas ameaçam comprometer a recuperação da indústria, passado o período de isolamento social e retração econômica provocado pela covid-19. Empresários relatam dificuldades para adquirir itens como papelão, plástico e aço, o que tem levado algumas companhias a postergar entregas ou mesmo recusar novos pedidos.
Essa escassez também bateu nos preços dos bens intermediários consumidos pelo setor: a estimativa é de aumentos de até 30% nos últimos meses – com risco de repasse para o consumidor no varejo. Esse cenário aparece em duas pesquisas diferentes encomendadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
No primeiro caso, foram ouvidas 1.855 empresas de 27 setores, entre 1º e 14 deste mês. Já a sondagem da Fiesp reuniu 414 companhias, entre os dias 7 e 13. A pesquisa da CNI mostra que 68% dos empresários já encontram dificuldades em adquirir no mercado doméstico os materiais usados na produção.
A importação desses insumos, que poderia ser uma saída, também está complicada para 56% das fábricas. Ainda pela sondagem, 82% das indústrias estão pagando mais caro pelas matérias-primas do que antes da crise. Para 31% delas, o aumento dos valores é “acentuado”.
O resultado da enquete da Fiesp vai na mesma direção. Dos consultados, 59,5% relatam dificuldades, por exemplo, para comprar papelão. E, quem encontra, tem de pagar até 30% mais do que antes da crise. No caso do aço, a escassez é maior e afeta 67% dos entrevistados.
Os efeitos da falta de bens intermediários para alimentar a produção da indústria já chegam à ponta final do consumo. De acordo com a sondagem realizada pela CNI, 44% das fábricas consultadas relataram problemas para atender seus clientes, atrasando entregas ou até mesmo recusando novas encomendas. Em 8% dos casos, uma parte grande da demanda já não tem condições de ser atendida.
Entre as razões dadas pelos industriais, estão a falta de estoques (47%); uma demanda superior à capacidade de produção (41%); impossibilidade de produzir mais (38%) e problemas de logística (13%). Apenas 4% indicaram a inadimplência dos clientes como uma razão para recusar pedidos.
Ainda pela pesquisa, 55% das indústrias só vislumbram uma normalização da oferta a partir de 2021, sendo que 16% não esperam voltar ao normal nos próximos seis meses. Apenas 8% delas acreditam que a situação pode se reverter em até um mês. Os setores mais pessimistas são os de papel e celulose, têxteis, alimentos, extração de minerais não metálicos, produtos de metal e móveis.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, a indústria brasileira vive um “desabastecimento crônico” de insumos. “Por enquanto, não percebemos o cenário de desabastecimento na ponta. O varejo e o atacado têm trabalhado para que isso não aconteça.”
Repasse de preços
Além do entrave na distribuição de produtos, um outro risco ronda o varejo: um possível repasse dos aumentos de preços registrados nos últimos meses pelas principais matérias-primas. Pela sondagem da Fiesp, o reajuste ponderado de custos foi de 22,8% de janeiro a agosto deste ano.
Já o percentual das empresas que pretendem repassar esses preços ao consumidor varia de 37,4% (vão repassar totalmente o reajuste) a 58,5% (repasse parcial). Uma alternativa apontada por 60,9% dos consultados foi “buscar outros fornecedores por menor preço”.