Todo mês, o aposentado José Herculano, de 68 anos e sua esposa Maria Alice Herculano de 79, deixam a zona rural de Ribeirão Preto num velho, mas conservado Fusca da década de oitenta, e vão até a farmácia central da secretaria municipal de Saúde, localizada na avenida Francisco Junqueira, região central da cidade, buscar medicamentos de uso contínuo indispensáveis para a sobrevivência de “seo” Herculano.
Aposentado, morador na Fazenda Experimental de Ribeirão Preto e com uma renda mensal familiar de cerca de R$ 1,9 mil reais, ele só conseguiu ter acesso aos medicamentos após decisão judicial, contra a Prefeitura, proferida há mais de seis anos. Portador de diabetes, com dificuldade para dormir e sérios problemas de coluna, caso não tivesse tido sucesso na Justiça, “seo” Herculano teria que desembolsar cerca de R$ 600 por mês para adquiri-los numa drogaria da cidade.
“Com o que ganho não teria como comprar estes remédios todos os meses”, afirma o aposentado. Sua esposa também utiliza remédio de uso contínuo, mas, segundo ele, neste caso não foi preciso recorrer à Justiça, porque são fornecidos pelas farmácias das Unidades Básicas de Saúde. Os medicamentos utilizados por dona Maria Alice fazem parte dos 350 itens padronizados e disponibilizados gratuitamente pelo município.
Vale destacar que apenas os produtos da relação de medicamentos padronizados são adquiridos de forma programada pelo município e pelo Estado, estando consequentemente disponíveis nas duas redes de saúde. Já os medicamentos não padronizados passam por um processo de compra específico e, na maioria dos casos, somente após sentença judicial.
Como “seo” Herculano, outros 7.516 moradores de Ribeirão Preto e de mais 25 municípios que fazem parte do Departamento Regional de Saúde de Ribeirão Preto – DRS XIII -, só tiveram acesso a medicamentos considerados de alto custo graças a ações judiciais. Somente nestes 25 municípios, cerca de 5.900 pacientes são medicados por força de decisão judicial contra o Estado de São Paulo. Já em Ribeirão Preto outras 1.613 pessoas estão sendo atendidas graças a decisões contra o município.
Fazem parte do Departamento Regional de Saúde os municípios de Altinópolis, Barrinha, Batatais, Brodowski, Cajuru, Cássia dos Coqueiros, Cravinhos, Dumont, Guariba, Guatapará, Jaboticabal, Jardinópolis, Luís Antônio, Monte Alto, Pitangueiras, Pontal, Pradópolis, Ribeirão Preto, Santa Cruz da Esperança, Santa Rita do Passa Quatro, Santa Rosa de Viterbo, Santo Antônio da Alegria, São Simão, Serra Azul, Serrana e Sertãozinho.
Para promotor, judicialização ‘é a garantia de direitos’
Responsável pela Promotoria da Saúde Pública em Ribeirão Preto, o promotor Sebastião Sérgio da Silveira garante que enquanto Estado e o município não cumprirem o que determina a Constituição Federal, no quesito direito a saúde, ele vai continuar a impetrar ações judiciais.
Tribuna – Como o senhor analisa o total de ações judiciais na região de Ribeirão Preto?
Dr. Sebastião – Infelizmente temos um elevado número de ações porque Estado e município não cumprem seus deveres definidos na Constituição Federal. Nesse sentido deve ser lembrado que a Constituição garante assistência integral à saúde de todas as pessoas, estabelecendo que é dever dos entes federados garantir esse acesso. A maioria das ações são de medicamentos para tratamento de doenças graves como o câncer, que o Estado e Município insistem em não fornecer.
Tribuna – Como resolver e diminuir o número de ações judiciais?
Dr. Sebastião – Para resolver o problema, bastaria que Estado e município se dispusessem a fornecer administrativamente os insumos necessários ao tratamento de pessoas doentes. Enquanto tais entes continuarem a fugir do cumprimento da Constituição, nós vamos continuar a judicializar ações.
Tribuna – A ação judicial é o último passo na busca por remédios?
Dr. Sebastião – A ação judicial é sempre o último passo. Ninguém ajuíza uma ação se não estiver precisando muito do medicamento ou outra forma de assistência.
Tribuna – O Estado diz que em parte destas ações, os remédios poderiam ser obtidos no município. O senhor tem conhecimento desta afirmação?
Dr. Sebastião – Nas ações que propomos, analisamos antes se o medicamento já é fornecido pelo Estado. Não acredito nessa versão, pois como já dito, é impossível que alguém escolha uma via tão complicada como a judicial se poderia obter o medicamento sem essa providência.
Tribuna – Como um paciente deve fazer para receber o remédio, caso o Estado e município não forneçam?
Dr. Sebastião – As pessoas que não possuem acesso a algum tipo de medicamento ou insumo para tratamento à saúde devem procurar o Ministério Público, Defensoria Pública ou Advogado para ajuizar ações contra o Estado e município. No caso da Promotoria de Justiça, recomendamos um atendimento inicial para retirada de um formulário, que é preenchido pelo médico. Após, basta entregar o formulário e os documentos pedidos para o ajuizamento da ação. Gostaria de lembrar que a nossa Promotoria de Justiça é o órgão que mais ajuizou ações contra o Estado e município, em razão de tais omissões.
Ações judiciais custaram R$ 886 mi em 2017
Dados da secretaria estadual de Saúde do Estado de São Paulo solicitados pelo Tribuna revelam que no ano passado foram gastos R$ 886 milhões na aquisição de medicamentos por força de sentenças judiciais. Em 2016, estes investimentos totalizaram R$ 1,09 bilhão.
Segundo a secretaria, através da articulação entre gestores da pasta eos órgãos judiciais foi possível reduzir em cerca de 20% o custeio de demandas judiciais e reduzir em mais de 16% o número de ações contra o Estado, o que teria significado uma economia de R$ 200 milhões de 2016 para 2017. Quando um paciente move com uma ação para receber medicamentos, tanto o Estado como o município respondem solidariamente e são obrigados a definirem quem cumprirá a decisão judicial.
Sobre a grande quantidade de ações judiciais na região de Ribeirão Preto, a secretaria esclarece que a chamada ‘judicialização da saúde’ é um fenômeno brasileiro, que distorce o conceito do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso porque, segundo a secretaria, privilegia o individual do detrimento do coletivo e parte da premissa equivocada de que o poder público deve fornecer “tudo para todos”, o que não acontece em outros países onde a saúde é universal, como o Canadá e a Inglaterra, por exemplo.
A Secretaria garante que dos remédios já previstos na lista do SUS que a Justiça obriga o estado a fornecer, 14% são referentes à assistência farmacêutica básica e deveriam ser distribuídos pelos serviços da rede municipal de saúde. Atualmente o Estado também atende 700 mil pacientes no Programa de Remédio de Alto Custo sem necessidade de ações judiciais.
ESTADO
Custos com remédios via judicial
2016 – R$ 1,09 bilhões
2017 – R$ 886 milhões
Departamento Regional de Saúde – Ribeirão Preto
Pacientes atendidos atualmente via ações judiciais – 5,9 mil
Prefeitura de Ribeirão Preto
Pacientes atendidos via decisão judicial
2017 -1.565
2018 – 1.613
Custos com remédios via judicial – Ribeirão Preto
2017 – R$ 2.279.000,00
2018 – R$ 749.342,67 (janeiro a abril)
Medicamentos mais solicitados no município via judicial
Insulinas análogas (glargina, levemir, degludeca, ultrarápidas) – para tratamento de diabetes mellitus, principalmente tipo l
Metilfenidato – para tratamento de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
Imunobiológicos – para tratamento de câncer, asma grave, degeneração muscular relacionada à idade e doenças degenerativasanticoagulantes orais
Dabigatrana – para tratamento de prevenção de Acidente Vascular Cerebral em pacientes com fibrilação atrial