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Saudades do futuro

Nesta semana assisti pela TV a uma entrevista durante a qual o jornalista brasileiro falava com uma senhora portuguesa, que não identifiquei. A reportagem tinha como objeto a vida em Portugal.

Depois de várias indagações, o jornalista arrastou suas perguntas para o guarda-chuva aberto pela palavra “sauda­des”. Enfim Portugal descobriu o mundo para o mundo. Após a viagem de Gil Eanes, atravessando o Bojador, a humanidade soube que a terra é redonda e que não é o sol que roda em tor­no dela, mas, sim, ela que o contorna. O mundo foi descoberto pelos portugueses.

Naqueles idos, Portugal converteu-se no principal país do ocidente, até mesmo porque seus navegantes e sacerdotes já ha­viam descoberto uma das maiores nações do mundo, o Brasil.

No entanto, após um desastroso tratado celebrado com a In­glaterra, toda aquela grandeza veio por água abaixo. A Inglaterra ocupou o espaço construído pelos portugueses que, já então não gostavam dos franceses. As tropas napoleônicas haviam invadido o seu território, levando para o Louvre peças de sua história.

Com a subtração de sua enorme riqueza, Portugal e seus por­tugueses passaram a ter “saudades do seu grandioso passado”.

O jornalista brasileiro então comunicou para a sua entrevis­tada que o Brasil e os brasileiros também usam frequentemente a palavra “saudades”. A portuguesa espantada pensou em voz alta.

O que o Brasil e os brasileiros perderam com o seu passado para que ficassem autorizados a usar a palavra “saudades”? Bem se o Brasil nada perdeu no passado, os brasileiros têm saudades do seu futuro, sentenciou a portuguesa.

Eu acrescento e alargo a sua reflexão. O Brasil, desde a sua descoberta é um dos maiores países do mundo. Detém na Amazônia a mais vasta floresta conhecida e o mais caudaloso rio do mundo. Suas terras são férteis. O mais extenso depósito de petróleo do planeta fica sob os seus mares.

Desde sua coloniza­ção é um exportador de ferro e de pedras preciosas. Sim, a maior empresa exportadora de ferro do mundo é brasileira que foi espantosamente privatizada. Raras são a estaníferas e temos uma. Poucas culturas produziram peças tão marcantes, como as obras de Portinari, as músicas de Vila Lobos, de Noel Rosa, de Luiz Gonzaga, de Chico Buarque, entre tantos outros.

Em seu território, com plausível comunidade, vivem descenden­tes dos portugueses, espanhóis, italianos, árabes, alemães, judeus e principalmente negros, cujas famílias aqui chegaram escravizadas.

No entanto, registra a tabela GINI que a sociedade bra­sileira mantém um dos maiores índices de pobreza da esfera terrestre. Há várias respostas para tão grave questão. Cidades marcadas por grande progresso, como São Paulo e Ribeirão Preto exibem um número vergonhoso de favelas. Surgidas antes da pandemia.

Se os portugueses perderam o seu passado têm todo o direito de sentir saudades como marco documental de sua dor. Mas o Brasil e os brasileiros não têm dores antigas não podendo derra­mar lágrimas sobre o seu passado. A sua história documenta que os brasileiros, pacificamente, conseguiram superar até mesmo alguns governos ditatoriais. Mas não a sua pobreza.

A reflexão retorna às palavras da portuguesa. Se o Brasil e os brasileiros não têm um passado doloroso para derramar lágrimas de perdimento, qual o motivo para vibrar a palavra “saudades”?

Não há aqui dores passadas para alicerçar um grito saudoso. Mas, se mesmo assim a ideia sobrevive, nós não estamos lamen­tando o que já foi, “por nunca ter ido”. O Brasil e os brasileiros têm saudades do seu futuro que a cada dia, a cada hora, em todo momento vai sendo levado à ruína.

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