O animal humano é uma espécie exótica. Há inúmeras provas de que a humanidade não atingiu o grau de perfectibilidade prenunciado por filósofos otimistas. A coleção de insanidades e de insensatez comportaria coleções infinitas de livros, reportagens, filmes e fotos. Mas para ilustrar, basta mencionar o documentário “Safári”, do diretor e roteirista austríaco Ulrich Seidl.
Foi filmado na Namíbia e mostra ricos austríacos e alemães que se deliciam com as caçadas. Ocupam um hotel de luxo situado numa reserva e escolhem num catálogo o animal que desejam abater: girafa, gnu, zebra, impala. São animais condenados à extinção, mas por um determinado preço, a empresa turística permite que eles sejam mortos.
O tour inclui a foto do caçador com o animal abatido e o troféu macabro, mas cobiçado: a cabeça ou a pele da vítima. Os caçadores falam diretamente com a câmera. Explicam a emoção do encontro, a sensação do tiro e justificam, de forma eufemística, o morticínio.
As cenas de caça chegam a ser sórdidas: girafa agonizante, colocada sobre a caminhonete por um grupo e sua evisceração, retirada da pele e esquartejamento. Tudo realizado pelos zelosos nativos. Estes não se manifestam. Apenas são filmados a consumir os restos dos animais abatidos, já que o caçador só levará a pele e a cabeça.
De certa forma, o ritual acontece também no Brasil. Fazendas mato-grossenses oferecem o abate da onça pintada, praticamente eliminada de nossa fauna. E, metaforicamente, o homicídio de mais de sessenta mil jovens do sexo masculino, quase todos pardos ou negros, não é um atestado de nossa crueldade?
A morte de um só jovem diferenciado por sua fortuna, fama ou prestígio causa comoção. O extermínio de sessenta mil, todos periféricos, invisíveis e desimportantes, não impressiona. A caçada na Namíbia é programada, um suspense fabricado. A caçada humana nos lindes das conurbações em zonas miseráveis guarda semelhança com o racismo dissimulado ou explícito. É assimilável por aqueles que se consideram imortais e que deixam o mundo cada dia mais melancólico.