A Comissão de Direitos Humanos da 12ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB de Ribeirão Preto (OAB-RP), denunciou ao Tribuna que a prefeitura interrompeu as internações de dependentes químicos em comunidades terapêuticas por meio dos programas Recomeço, do governo estadual, e Sinapredi, do governo federal.
As internações, que não têm custo para o município, pararam em março e a justificativa é a pandemia do novo coronavírus. Por cada dependente internado, as comunidades recebem entre R$ 1,5 mil (homem) e R$ 1,6 mil (mulher) por mês. Os recursos de cada programa são pagos pelo Estado e pelo governo federal, respectivamente. Ribeirão Preto tem seis clinicas cadastradas nos dois programas.
A interrupção aconteceu porque, no começo da pandemia, a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) não conseguiu viabilizar um local para que os dependentes químicos interessados na internação ficassem em quarentena por cerca de 15 dias, antes de serem levados para as comunidades.
A quarentena faz parte do protocolo sanitário para prevenção do coronavírus e é necessária para evitar que a covid-19 chegue às comunidades. O Tribuna apurou que, atualmente, existe na cidade uma demanda reprimida de interessados na internação de pelo menos 200 pessoas. Até fevereiro, Ribeirão Preto realizava, em média, 50 internações por mês pelos dois programas.
Como as internações foram suspensas em março, até o final de junho esta demanda reprimida seria de no mínimo 200 internações. O Tribuna também apurou que, diariamente, aproximadamente 15 pessoas procuram um dos órgãos municipais atrás de informações sobre como ser internado ou como conseguir uma vaga para um familiar dependente químico.
No início da pandemia, a Secretaria de Assistência Social até que tentou contratar uma entidade que atua com dependentes químicos para abrigar os interessados e realizar a quarentena. Entretanto, nenhuma se interessou porque o valor oferecido por candidato pelo município não seria suficiente para cobrir os custos operacionais estabelecidos pelo protocolo sanitário exigido.
Haveria necessidade de a entidade montar ou ampliar sua estrutura física e contratar mais funcionários para atender os novos internos temporários. O valor oferecido era de R$ 2 mil por dependente internado pelo período de 15 dias. Sem conseguir resolver o impasse, o governo interrompeu as internações, diferentemente de outras cidades do Estado, onde a quarentena foi viabilizada.
Um exemplo de dependentes químicos à espera de internação é o projeto Mudando Vidas. Na Casa Apoio, que dá suporte para pessoas que terminam o tratamento e não têm para onde ir, três homens esperam ser encaminhados para uma comunidade terapêutica. Segundo o diretor da entidade, Ricardo Tostes, todos os dias ele recebe em media seis telefonemas de pessoas desesperadas em busca de uma internação.
De acordo com o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB-RP, o advogado Antônio Luis Oliveira, o problema atinge muitas pessoas em situação de vulnerabilidade social que estariam abandonadas por causa da interrupção dos programas. A entidade pretende acionar a Justiça para resolver o problema e forçar a Semas a promover as internações.
“Temos nos reunidos com todos os setores envolvidos na prevenção e tratamento de pessoas com dependência química, seja municipal ou estadual, mas nada tem sido viabilizado. Por isso vamos tomar todas as medidas cabíveis para acabar com essa desatenção do poder público”, afirma.
O presidente da comissão afirma também que os mais atingidos pela “inércia” da secretara são os dependentes químicos em situação de rua. Recente levantamento divulgado pela prefeitura de Ribeirão Preto, por meio da Semas e em parceria com o Instituto Limite, aponta que 11.618 atendimentos a pessoas em situação de rua foram realizados no período de junho de 2017 a dezembro de 2019.
Os números representam um total de 7.179 usuários cadastrados no Serviço de Abordagem Social (Seas) e 4.439 reabordagens de acompanhamento realizadas. Em Ribeirão Preto, o Programa Recomeço foi implementado em 2013, durante a gestão da ex-prefeita Dárcy Vera (sem partido).
É destinado para a recuperação de dependentes químicos em entidades especializadas e é destinado àqueles que procurarem recuperação voluntariamente. Oferece vagas em sua rede de atendimento, sendo que deste total 12% destinadas ao público feminino.
Outro lado
Questionada, a Secretaria Municipal da Assistência Social informa, por meio de nota, que, por orientação da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract), as comunidades terapêuticas do município não estão recebendo novos usuários. Foi proposto pela federação e pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social que o município realizasse a quarentena das pessoas que pretendem realizar tratamento.
A pasta ressalta que entrou em contato com entidades que já realizam atendimentos aos usuários de drogadição para formalização de Termo de Colaboração e a execução do programa pretendido pelo Estado de São Paulo. Entretanto, as duas entidades não aceitaram. A secretaria informa que está em contato com outras instituições. Por fim, garante que o programa está suspenso temporariamente e já foi solicitado o levantamento de prováveis encaminhamentos, bem como os exames necessários.