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Ribeirão Preto faz 162 anos

Ribeirão Preto completa 162 emancipação político -administrativa anos nes­ta terça-feira, 19 de junho. Aquele município rural de 1856, que brotou da terra roxa à margem da estrada de ferro como um grão de café, hoje é uma metrópole. Abriga 682.302 moradores, segundo a última atualiza­ção anual do censo popula­cional, divulgada pelo Insti­tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 30 de agosto do ano passado. É o centro de uma Região Me­tropolitana (RMRP) que en­volve mais 33 cidades, com população estimada em 1,67 milhão de habitantes.

É um polo regional na prestação de serviços – nas áreas de educação e saú­de, principalmente – e no comércio – muito forte no Centro, nos bairros e em seus quatro shopping cen­ters (RibeirãoShopping, Santa Úrsula, Iguatemi e Novo Shopping). Nesta edi­ção especial, com base em pesquisa e textos de Nicola Tornatore, o Tribuna conta um pouco da história, das qualidades e também dos problemas da metrópole. O autor faleceu na semana passada vítima de enfarte, aos 52 anos.

As terras de São Sebastião
Nicola Tornatore

Parece bastante curiosa, nos dias de hoje, a descrição, registrada em cartório, das terras doadas pelos fazendeiros pioneiros que pretendiam fundar um vilarejo no território que hoje abriga Ribeirão Preto. Naquele tempo, meados de século XIX, a primeira providência a ser tomada para que surgisse uma povoação era a construção de uma Igreja. E para que esta fosse oficializada pela Igreja Católica era necessário formalizar, em cartório, a doação de terras (existia até um valor mínimo) para a formação de um patrimônio que bancasse o novo templo.

ACERVO NICOLA TORNATORE/REPRODUÇÃO

Assim, depois de tentativas frustradas desde 1845, a doação foi efetivada, e os limites do patrimônio de São Sebastião (representado na Terra pela Igreja Católica, que por isso poderia cobrar de quem se utilizasse de seus terrenos – o chamado laudêmio, que existe até hoje), devidamente registrados em cartório.

Ao contrário do que muitos imaginam, os limites dessas terras não são as avenidas Independência, Nove de Julho, Jerônimo Gonçalves e Francisco Junqueira. Pequenos trechos da Vila Seixas e do Bulevar fazem parte do território de São Sebastião. As divisas, assim descri­tas originalmente, dos 64 alqueires, três quartas e meia doados por fazendeiros para a formação do patrimônio de São Sebastião, foram assim registradas em cartório:

“São as seguintes as suas divisas: Principia, na barra do ribeirão Preto com a do Retiro, subindo pelo veio dagua deste acima até fron­tear uma cova que está do lado direito no fundo da cerca do curral do sócio Marianno Pedroso de Almeida, desta cova em rumo direito á outra que se acha na borda da estrada do lado de cima, e desta em linha reta a um tope saliente que se acha no cume do espigão contravergente para o ribeirão Preto, e deste tope voltando á direita em direcção a um pau de Ipê, marcado contiguo a um outro de Souta Cavallo, igualmente assignalado, e destes voltando a esquerda em linha reta a uma peroba branca que se acha por cima do caminho que abeira o ribeirão Preto, e deste a rumo direito a um toco de peroba, que se acha colocado por baixo do rêgo, na borda do dito ribeirão Preto, e descendo pelo veio dagua, deste abaixo á barra do ribeirão com o do Retiro, onde começou a demarcação”.

ACERVO NICOLA TORNATORE/REPRODUÇÃO

O Livro do Tombo
Principal documento sobre os primórdios da vila de São Sebastião do Ribeirão Preto, o Livro do Tombo da primeira Igreja Matriz, aquela que existiu onde hoje está a praça XV, foi aberto de 20 de novembro de 1885. O “Tombo da Parochia do Ribeirão Preto” começa assim: “A 21° e 10’ latitude Sul e 4° e 44’ longitude, entre os rios MogyGuassu e Pardo, distante da Capital de São Paulo 418 Kilometros e a 465 metros de altura do nível do mar, acha-se situada a Villa do Ribeirão Preto. Em 1852 alguns mineiros que habitavão o sertão que hoje forma a parochia do Ribeirão Preto tomarão a resolução de edificar uma pequena ermida sob a invocação de São Sebastião (…)”.

ACERVO NICOLA TORNATORE/REPRODUÇÃO

O assento da página 1 descreve o território da “parochia”: “ (…) é um triangulo formado pelo Rio Pardo e MogyGuassu, Serra Azul, córrego da Cachoeira, passando pela estação de Cravinhos e fazenda velha do Lageado, formando um ângulo no Pontal, onde se une o Rio Pardo e o MogyGuassu, tendo por base a Serra Azul, Cachoeira e a fazenda velha do Lageado”.

O mesmo assento traz a seguinte informação: “a actual povoação tem pois principio no ano de 1853 (…)”. Já a data em que se come­mora a fundação de Ribeirão Preto é 19 de junho de 1856.
O volume que oferece mais dados aos pesquisadores é um livro de batismos de escravos (“captivos e libertos”) com registros datados de 1855 a 1869.

Como o registro de nascimento equivalia, naquela época, ao que hoje se conhece como certidão de nascimento, esses podem ser conside­rados os primeiros “ribeirão-pretanos”.

O primeiro assento, anterior a 1856: “Aos vinte e sete dias do mês de novembro de 1855 baptisei solenemente a Joaquim, de três meses de idade, filho natural de Mariana Creola, escrava de Antonio Joa­quim Ribeiro. Forão padrinhos Davi escravo e Maria escrava, ambos captivos”.

O primeiro assento posterior a 1856: “Aos quatro dias do mês de março de 1869 nesta Capellabaptizei e pus os santos óleos a Luis, de um ano e nove dias, filho legítimo de Luis de Oliveira e Candida de Laura de Souza. Forão padrinhos Caetano Baptista e Candida de Souza, todos desta”. (Nicola Tornatore)

Março, abril, junho ou julho?

A maior parte dos mora­dores de Ribeirão Preto desco­nhece esse fato, mas o 19 de ju­nho nem sempre foi a data em que se comemora a fundação de Ribeirão Preto. Ao longo do último século, a comemoração ocorreu em diferentes meses, como março, abril e julho. Mas quando, afinal, foi fundada Ri­beirão Preto?

Nos anos 20, o dia 2 de abril de 1871 era consenso. Naquela época a imprensa publicava artigos como esse, intitulado “Uma data bas­tante preciosa – O cincoen­tenário de Ribeirão Preto”. A referência era o decreto pro­videncial n. 51, de 2 de abril de 1871, que elevou a povoa­ção a “Districto de Paz”.

Para o ex-prefeito João Rodrigues Guião, a data mais condizente era 12 de abril, como explicou: “O povoado, iniciado em 1853, (…) entrou definitivamente como parte integrante da divisão admi­nistrativa da antiga Província de S. Paulo a 12 de Abril de 1872, quando foi elevado a villa e município”.

Já o historiador Plínio Travassos dos Santos defen­dia o dia 28 de março, que re­mete à 1863, quando o padre Manoel Euzébio de Araújo demarcou o terreno onde se­ria erguida a primeira capela reconhecida pela Igreja.

A Câmara Municipal en­trou definitivamente na polê­mica no início da década de 50, quando aprovou projeto de lei baseado nas alegações de Plínio dos Santos. O projeto foi promulgado e oficialmente o aniversário da cidade passou a ser em 28 de março.

Pouco depois, em 1954, a polêmica volta à tona, com parte dos vereadores defen­dendo as ideias de outro his­toriador, o médico Osmani Emboaba da Costa, que de­fendia o 19 de junho de 1856, quando um juiz assinou des­pacho autorizando a demar­cação das terras doadas a São Sebastião para a formação do patrimônio eclesiástico da futura Igreja.

Para resolver o impasse, a Câmara apelou para uma comissão de professores da Universidade de São Paulo. Em julho de 1954 essa comis­são emitiu um parecer: “Se considerarmos a realização do projeto de fundação da ci­dade, o ano de 1856 se impõe como o de maior significação. A sugestão apresentada pelo Doutor Osmani Emboaba, quanto à data de 19 de junho de 1856, nos parece das mais felizes, pois assinala a demar­cação da área onde se desen­volveu a cidade. É essa data que a Comissão tem a honra de indicar ao sr. Presiden­te da Câmara Municipal de Ribeirão Preto”. Estava, pois, definido – Ribeirão Preto foi fundada em 19 de junho de 1856. (Nicola Tornatore)

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