Nicola Tornatore
Eles eram franceses, argentinos, polacos, austríacos, russos, alemães, japoneses suíços, belgas, gregos, sírios, espanhóis, portugueses e italianos, muitos italianos. No processo de formação de Ribeirão Preto, a imigração é um capítulo de destaque. Entre 1893 e 1926 chegaram oficialmente a Ribeirão Preto 76.657 imigrantes de diversas nacionalidades – a grande maioria (cerca de 70%), italianos. Para se ter uma ideia de como esse contingente foi fundamental para o município, basta uma comparação – em 1926 a população recenseada era de 68.836, e o número estimado de habitantes, de 72.335. Em ambos os casos, menos que o total de imigrantes que aqui aportaram nas três décadas anteriores.
Esses números estão na tese de doutorado da historiadora Patrícia Furlanetto, graduada em História e pós-graduada em História Social pela Universidade de Sâo Paulo (USP). O tema de sua tese de doutorado são as relações sociais (“práticas associativas”) entre imigrantes italianos e as sociedades que eles aqui fundaram no período de 1895 a 1925. As estatísticas foram por ela coletadas durante seis meses de pesquisas no Arquivo do Estado de São Paulo. Os números constam dos anuários produzidos pela Repartição de Estatísticas do Arquivo do Estado de São Paulo.
A historiadora destaca que o fluxo migratório para Ribeirão Preto data do final do século XIX, ainda antes da “abolição da escravatura” (Lei Áurea, de 1888). “Desde 1850 o tráfico negreiro estava proibido, mas a demanda por mão-de-obra nas fazendas só fazia aumentar. Na região, que teve em Pereira Barreto e Martinho Prado os pioneiros na introdução do café, a substituição dos escravos por imigrantes precedeu a própria abolição da escravatura. Além dos escravos, a essa altura, já serem uma matéria-finita – a Lei do Ventre-livre é de 1871 – existia ainda a pressão dos abolicionistas”, explica.
“Os fazendeiros vão descobrindo aos poucos que do ponto de vista econômico é mais interessante a mão-de-obra do imigrante do que a escrava, que os mantinha sujeitos a revoltas e mesmo suicídios coletivos. E com os escravos o fazendeiro tem primeiro que aplicar o capital para depois usufruir a produção. Já o imigrante dispensava grande capital inicial – invariavelmente naquela época o trabalhador assalariado, o colono imigrante era pago após a colheita das safras”, esclarece.
Essa intenção de substituir a mão de obra escrava pelos imigrantes pode ser constatada por projetos que antecederam a abolição, como o da fazenda de café Ibicaba, de Rio Claro. “Por iniciativa do senador Nicolau Vergueiro, em 1850 já há projeto financiado pelo governo para trazer colonos suíços. Estes acreditavam que estavam embarcando num sistema de parceria – ao final da colheita, a produção seria dividida com o fazendeiro. Mas esse vendeu a produção e descontou da parte dos colonos todos os gastos relativos a eles, gerando um grande descontentamento. E o que o governo brasileiro não sabia era que um dos imigrantes estava orientado a escrever um diário, relatando os acontecimentos. E esse diário é publicado e o governo suíço proíbe novos projetos do gênero”, explica a historiadora.
Patrícia Furlanetto destaca que os pioneiros Pereira Barreto e Martinho Prado, por mais que incentivassem a imigração, não eram abolicionistas. “Eles eram ‘imigrantistas’, consideravam o trabalhador europeu mais qualificado que o escravo e mais adequado à concepção de desenvolvimento e progresso que vigorava na época”.
Na virada do século, antes de o governo italiano cancelar (em 1902, por denúncias de maus tratos) o acordo que mantinha com o governo brasileiro (para subsidiar as viagens dos imigrantes), Ribeirão Preto era uma autêntica “torre de Babel”, comenta a historiadora. “Em 1902 tínhamos na cidade e na zona rural 59.195 mil habitantes, sendo que 33.200 eram europeus, incluindo 27.765 italianos, 2.635 portugueses e 1.793 espanhóis, uma grande parte empregada nas lavouras, mas também muitos trabalhando na cidade”, informa. A presença italiana era tão marcante que naquela época circulavam vários jornais escritos em italiano, com destaque para o “Il Diritto”, porta-voz da enorme colônia italiana.
Com a expansão da lavoura cafeeira o fluxo migratório ganha grande impulso. Os relatos de conterrâneos que aqui já estavam incentivam a imigração espontânea da chamada ‘Alta Itália’, onde a miséria era a grande aflição das famílias. Os altos preços do café e a expressiva produtividade da “terra roxa” fazem fortunas e a fama da “Capital d’Oeste” só faz crescer. Em vários anos da primeira década do século passado Ribeirão Preto é a cidade que mais recebe imigrantes – mais que a própria capital São Paulo (leia box nessa página). Esse fluxo migratório só começa a refluir na segunda metade da década de 1910. “A partir da década de 10 ele entra em declínio, ao mesmo tempo em que se fortalece o movimento anarquista no Brasil, comandado principalmente por italianos. E os imigrantes que poucos anos antes, na virada do século, eram considerados quase que como ‘salvadores da pátria’, deixam de ser bem-vindos”, comenta Patrícia Furlanetto. “Falar do passado de Ribeirão Preto é desvendar como nacionalidades tão diversas, com costumes, línguas e posturas diferenciadas se encontraram e construíram um cotidiano de trabalho, solidariedade e também de conflito. Mas que hoje dão significado à comemoração do aniversário de uma cidade que permanece repleta de histórias de migrantes”, completa.