A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, de condicionar o compartilhamento de dados de órgãos do governo à prévia autorização judicial já provoca efeitos em casos em andamento na Justiça. Em Santa Catarina, advogados de investigados na Operação Alcatraz, que apura desvio de recursos públicos em licitações, apresentaram pedido para suspender ou anular os processos. Procuradores da República também falam em prejuízo para investigações que envolvem crimes relacionados a tráfico de drogas e ao crime organizado, e não só os ligados à corrupção.
Em Ribeirão Preto, 16 réus da ação penal da Companhia de Desenvolvimento Econômico (Coderp), da Operação Sevandija, também recorreram para suspender o trâmite do processo, mas os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual (MPE) informaram que os dados foram repassados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com autorização do juiz da 4ª Vara Criminal, Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira, emitida em abril de 2016, cinco meses antes da força-tarefa que também conta com a Polícia Federal ser deflagrada, em 1º de setembro.
Esta ação penal investiga fraudes em licitação de contratos entre a Coderp e a Atmosphera Construções e Empreendimentos, do empresário Marcelo Plastino, tem 21 réus, entre eles ex-vereadores e ex-secretários, além de ex-superintendentes da empresa, empresários e um advogado. O processo envolve denúncias de apadrinhamento político, fraude em licitações e suposto pagamento de propina. O Gaeco pede a devolução de R$ 105,98 milhões. Os réus são acusados de organização criminosa, dispensa indevida e fraude em licitações, corrupção ativa e passiva e peculato. Todos negam a prática de crimes.
Ao atender a pedido feito pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), Toffoli suspendeu provisoriamente todos os processos no País em que houve compartilhamento de dados fiscais e bancários com investigadores sem autorização prévia da Justiça. A decisão atinge apurações em que o Ministério Público utilizou dados do Coaf – como é o caso do filho do presidente Jair Bolsonaro, investigado no Rio de Janeiro por supostas irregularidades quando ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado.
A defesa do médium João Teixeira de Farias, o João de Deus, também considera que a decisão abre margem para “questionamento”. Réu em oito processos por violência sexual contra quase uma centena de mulheres e preso há sete meses no complexo penitenciário de Aparecida de Goiânia, João de Deus é suspeito ainda de construir um “império” por meio da extorsão de fiéis, lavagem de dinheiro e prática de crimes contra o sistema financeiro nacional. Um relatório feito pela força-tarefa que investiga o caso aponta João de Deus como chefe de uma organização criminosa.
“Num caso houve informação direta do Coaf para o Ministério Público e pode gerar questionamento”, disse o advogado Alberto Toron, que comanda a defesa do médium. Segundo ele, cabe questionamento no caso que apura lavagem de dinheiro – em parte, sustentada em relatórios do Coaf. “Penso que apenas em relação ao que apura a lavagem.”
Já a Alcatraz foi deflagrada em maio. Até o momento, pelo menos 18 pessoas foram denunciadas e oito estão presas na operação, que apura suposta organização criminosa para fraudar processos licitatórios na Secretaria de Administração e na Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina. Advogados dos investigados entraram com pedidos na Justiça Federal em Santa Catarina e no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, pedindo a revisão dos processos, à luz da decisão de Toffoli.
A decisão do presidente do STF foi tomada no escopo de um recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público Federal contra a absolvição de sócios de um posto de gasolina em Americana, no interior paulista, acusados de sonegação fiscal. O caso teve “repercussão geral” reconhecida no ano passado (ou seja, o que o plenário do Supremo determinar valerá para todos os casos semelhantes no País) e seu julgamento está marcado para novembro Até lá, todos os processos alvo da decisão seguem suspensos.
Na decisão, Toffoli disse que o Ministério Público “vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC) sem supervisão judicial”, o que ele chamou de “temerário” do ponto de vista das garantias institucionais. Além do Coaf, a sentença atinge casos em que houve compartilhamento de dados da Receita Federal e do Banco Central.