Por Antonio Gonçalves Filho
Geraldo de Barros (1923-1998), um dos vetores da arte contemporânea brasileira, ganha, no Itaú Cultural, uma retrospectiva completa com mais de 400 obras e documentos que cobrem meio século de intensa atividade como pintor, fotógrafo e designer. Inquieto e fascinado por novas experiências estéticas, Barros pertenceu à geração que inventou a moderna fotografia brasileira, viu nascer a arte concreta e revolucionou o design com sua pioneira fábrica Hobjeto. Tudo isso está na mostra, das primeiras gravuras dos anos 1940 marcadas pela influência de Paul Klee às peças que prestam tributo ao concretista suíço Max Bill (1908-1994), de quem foi amigo.
Max Bill conheceu Geraldo de Barros por volta de 1951, ano em que ganhou o grande prêmio de escultura com sua Unidade Tripartida na Bienal. Eles se reencontrariam na segunda edição (Max Bill foi júri da mostra internacional). “Fui imediatamente seduzido por sua força criativa e fiquei muito impressionado com sua pesquisa fotográfica”, escreveu o suíço sobre Geraldo, admirado como um artista de apenas 30 anos realizara tantas coisas “num país ainda isolado das grandes correntes internacionais”.
Foi com grande esforço que esse jovem artista conheceu, de fato, a arte de quem interessava no circuito. É o que conta o crítico Lorenzo Mammì, curador da mostra ao lado do suíço Michel Favre. O último revela que o fascínio de Geraldo pelo suíço Paul Klee nasceu de uma conversa com uma funcionária da Biblioteca Municipal (SP). “Ele doava gravuras para a biblioteca e se informava com ela sobre os livros de arte que eram incorporados ao acervo”. Logo na entrada do primeiro andar (a mostra ocupa ainda o primeiro e segundo subsolos) é possível atestar como Paul Klee marcou nos anos 1940 as primeiras gravuras de Geraldo, que sempre viu a fotografia como um processo de impressão similar, defendendo a inclusão da categoria artística na 2ª Bienal (1953).
Por acreditar que é no acaso e no erro que reside a criação fotográfica, ele dizia que aprendera a técnica apenas para se expressar. Sua câmera Rolleiflex de 1939 não era uma máquina de reproduzir a perfeição, mas de produzir imagens que seriam trabalhadas e retrabalhadas no laboratório. Foi assim que nasceram suas “fotoformas” no final dos anos 1940 – Geraldo começou a se interessar por fotografia em 1946, época em que pintava sob orientação de Takaoka (há na mostra telas desse tempo). Embora seja possível notar certo parentesco com as experiências formais de Man Ray e Brassaï em suas fotos, o brasileiro não conhecia esses nomes na época em que começou a sobrepor negativos e a fazer jogos de sombra e luz nas fotoformas.
Foi também em 1946 que a psiquiatra Nise da Silveira criou o ateliê de artes do Hospital D. Pedro II no Rio de Janeiro. Atraído pela experiência terapêutica do Engenho de Dentro, Geraldo acabou conhecendo e ficando amigo do crítico Mário Pedrosa, que iniciou o artista na psicologia da Gestalt. O curador Lorenzo Mammì descobriu um texto de Pedrosa nunca publicado sobre essa experiência, um dos muitos documentos inéditos na exposição do Itaú, além de outros que mostram como o contato com a obra de Paul Klee levou Geraldo de Barros à abstração e à arte construtiva. O curador Lorenzo Mammì aponta uma experiência fotográfica do artista (A Menina do Sapato) que não só revela seu interesse pela Gestalt (o espectador deve completar a obra com sua visão) como pela intervenção na imagem fotográfica, seja com riscos sobre o negativo (a exemplo de Brassaï, que retrabalhava a obra alheia) ou recortando as imagens (obra derradeira, a chamada série Sobras). Sua curta passagem pelo Foto Cine Clube Bandeirante foi marcada pela incompreensão dos colegas. Barros era “moderno” demais até para eles.
Obras icônicas dos vários grupos renovadores dos quais Geraldo participou estão no primeiro andar do Itaú Cultural, entre elas a tela Função Diagonal (1952), que esteve na exposição inaugural do grupo Ruptura. Da fase pop do pintor foram reunidas obras de grandes dimensões, entre elas uma de três metros de altura pouco vista, Arizona (1975), esmalte sobre offset a cores. Mas as melhores pinturas são mesmo as da fase concreta – Composição Concreta, de 1953, esmalte sintético, surge como um grande exemplo na mostra, tendo ao lado o modelo gráfico que a inspirou
“Mas Geraldo não é sempre construtivo”, observa o curador Mammì, apontando para os experimentos empíricos de fotos com cartões perfurados. O cocurador Michel Favre, no segundo subsolo, mostra como o pintor levou sua experiência para o desenho de mobiliário, colocando ao lado de cadeiras assinadas por ele (na Unilabor) telas cujas linhas são projetadas tridimensionalmente no design dessas peças. Uma pintura concreta de Max Bill é um dos destaques da seção organizada por Favre, genro do artista. “Procurei dar uma visão panorâmica da obra dele, fazendo associações entre a biografia e o trabalho de Geraldo, das primeiras experiências com as fotoformas à produção final da série Sobras, em que usou fotos de família.” É, talvez, a série mais radical, fragmentada e montada de forma que foge à lógica ordinária.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.