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Réquiem à privacidade

A privacidade morreu, e não foi hoje. Seu velório, quase desapercebido, foi dado com todos os detalhes há alguns anos, na edição de janeiro de 2015 da revista Science. A nossa trilha de informação hoje começa no momento em que nascemos, com a atribuição de CPFs para recém-nascidos, e só vai crescendo com cada ação que tomamos. Cada post em redes sociais, cada pesquisa em um site de busca, cada compra que fazemos, cada texto que escrevemos gera uma trilha de dados que fala mais sobre nós do que conseguimos imaginar.

Pior. Matamos a privacidade em troca de comodidade e serviços gratuitos, na maioria dos casos sem perceber que estávamos fazendo isso. A maioria das pessoas que usa um provedor de e-mail gratuito, seja ele nacional ou internacional, nem imagina que muitos deles exigem explicitamente nos campos de adesão a cessão total do direito sobre aquelas informações ali armazenadas. Pouquíssimos se deram conta que, voluntariamente, permitiram que o conteúdo de sua correspondência seja legalmente e periodicamente rastreado em busca de dados valiosos a empresas e organizações diversas. E que, mesmo que apague os e-mails da sua caixa postal, eles permanecerão indefinidamente no banco de dados dos provedores para seu uso próprio.

O mesmo vale para os diferentes aplicativos que instalamos em nossos celulares. Não é porque você não preencheu seu endereço (ou qualquer outra informação) que você está se preservando. Através do GPS, qualquer aplicativo pode rastrear a sua rotina diária, descobrir aonde você mora, onde você trabalha, e os lugares frequentados. O preço de evitarmos o trânsito, trocarmos mensagens e termos informação na ponta dos dedos é a exposição total de nossa vida pessoal para essas empresas.

Supostamente, tudo isso é feito com o nosso “de acordo”. Quando instalamos um app ou usamos um serviço na internet, aceitamos as exigências de permissões, acessos, utilização e até revenda das informações por terceiros. Que fique muito claro: esses textos são desonestamente vagos, propositalmente escondendo dos cidadãos o volume de dados que serão coletados sobre ele dali em diante, e tampouco explicitam o uso que será feito de seus dados.

O quadro supera a ficção de George Orwell, em seu romance de 1984, já que, hoje, o conhecimento sobre pessoas, obtido sem a sua consciência, é usado, sem restrições, para municiar campanhas políticas e promover o bombardeamento de posts dirigidos ao cidadão, explorando seus medos e desejos… sentimentos estes que ele nem sequer tem consciência, mas que foram mapeados por meio de algoritmos que cruzam suas inúmeras pegadas na internet e redes sociais. No limite, é possível afirmar que, em 2017, organizações têm o poder de saber muito mais sobre o comportamento inconsciente do cidadão do que o próprio.

A verdadeira questão, portanto, já não é mais se devemos ou não ter direito à privacidade. A essa altura do campeonato, o que realmente está em jogo é a transparência desse gigantesco processo de captura de dados do cidadão – constante, automatizado e inteligente. Essa consciência deve se transformar em uma atitude vigilante sobre quais pegadas “aceitamos” deixar na web. Em paralelo, é crítico nos engajarmos na discussão de critérios para um big data ético, responsável e cidadão.

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