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Regular (ainda mais) as bets 

Dimas Ramalho* 

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As apostas online estão cada dia mais presentes no cotidiano dos brasileiros. Vemos os logotipos das bets, como elas também são conhecidas, estampando os uniformes dos maiores clubes de futebol do país; lemos nos jornais sobre seus lucros fabulosos e impactos sociais terríveis; assistimos espantados a denúncias de manipulação de jogos e escândalos associados à atividade; não raro, somos amigos ou parentes de algum apostador contumaz.

Não faz muito, nada disso existia por aqui. O mercado de apostas esportivas foi criado em dezembro de 2018, no último mês do governo Michel Temer, pela lei 13.756. Embora o diploma desse um prazo de dois anos, prorrogável por mais dois, para a regulamentação do serviço, a determinação acabou ignorada pelo governo seguinte, de Jair Bolsonaro. Foi só no final do ano passado que essa realidade começou a mudar, quando a lei 14.790 pôs de pé as primeiras regras para essa atividade, as quais entrarão em vigor em 1º de janeiro de 2025.

Nesse intervalo, as bets proliferaram sem qualquer tipo de regulação. Um estudo do Banco Central mostrou que, de janeiro a agosto de 2024, os brasileiros gastaram de R$ 18 bilhões a R$ 21 bilhões por mês em apostas online. No mês de agosto, apenas os beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões às empresas de bets. O crescimento delas foi tão avassalador e os efeitos negativos na população tão graves que muita gente começou a defender a pura e simples abolição desse mercado no Brasil.

Uma pesquisa recente do Datafolha mostrou que dois a cada três brasileiros (65%), com 18 anos ou mais, defendem a proibição das apostas esportivas online. O índice é majoritário em todas as variáveis sociodemográficas. Um quarto (27%) é contra a proibição das bets e 8% não opinaram.

Apesar de compreensível, a proibição não parece ser o melhor caminho para lidar com o cenário que temos hoje no país. O jogo de azar, afinal, constitui uma experiência humana imemorial e bani-lo agora, quando ele já está plenamente estabelecido, teria por efeito apenas incentivar o mercado ilegal. Pretender matar esse monstro que criamos seria o mesmo que tentar vencer a mitológica Hidra de Lerna, na qual cada cabeça cortada dá origem a duas. Mais prudente é tentar domá-lo. E, para que consigamos isso, precisamos de regras mais duras do que as atuais, capazes de minimizar os efeitos deletérios na população.

A primeira coisa que precisa ficar clara é que o jogo tem uma capacidade imensa de viciar. A chegada das bets teve como consequência um aumento expressivo da procura por ajuda em centros especializados. Desde 2020, por exemplo, cresceu sete vezes a quantidade de pessoas atendidas por dependência em apostas na rede pública, segundo dados do Sistema Único de Saúde de ambulatórios de todo o país. Os números absolutos ainda são relativamente modestos, mas a multiplicação de casos deixa claro o potencial danoso da atividade. Já em São Paulo, o Programa Ambulatorial do Jogo do Hospital das Clínicas deixou de aceitar novos pacientes em função da alta procura ainda no mês de agosto e, desde então, tem fila de espera.

O vício afeta não apenas a saúde e o bem-estar de uma pessoa, mas também suas finanças, relações pessoais, familiares e comunitárias. A todo momento tomamos contato com novas e dramáticas histórias de pessoas endividadas, que terminam fazendo empréstimos, e até mesmo praticando atos ilícitos, para continuar jogando.

No mês passado, a prestigiosa revista científica “The Lancet” publicou um extenso relatório sobre o tema, apontando os diversos males trazidos pelas apostas online. A conclusão do texto é que governos e legisladores precisam tratar as bets e cassinos virtuais como uma questão de saúde pública, a exemplo do que já se faz com outros produtos que viciam e fazem mal.

A medida mais urgente, nesse sentido, é banir ou, ao menos, restringir severamente a publicidade desses serviços. É um contrassenso estimular um comportamento potencialmente autodestrutivo. A restrição à divulgação de produtos nocivos à saúde está amparada pela Constituição, em seu artigo 220, e já é utilizada em relação ao tabaco, ao álcool, mas também a medicamentos.

Também poderia ser imposto às bets, como medida pedagógica, a obrigação de exibir em seus sites e aplicativos uma página que explicasse aos apostadores que suas chances de ganhar dinheiro com a prática são irrisórias.

Não menos importante é a questão dos impostos. As empresas do setor serão tributadas em apenas 12%, valor considerado muito baixo por especialistas, dadas as consequências negativas geradas pela atividade. É necessário, assim, uma taxação mais alta, como a aplicada ao cigarro e às bebidas alcoólicas.

Os valores arrecadados deverão ser revertidos para a sociedade, especialmente para a proteção do consumidor das bets e para o tratamento dos jogadores patológicos. Para tanto, deve-se buscar fortalecer o SUS e os Centros de Atenção Psicossocial, que não estão equipados nem têm profissionais suficientes para enfrentar adequadamente esse problema.

São medidas que certamente vão desagradar os setores que se beneficiam dos vultosos investimentos do mercado de apostas online. Trata-se, porém, do preço a pagar para que consigamos compatibilizar a liberdade de atuação dessas empresas com a necessária proteção dos usuários.

* Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sâo Paulo (TCESP) 

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