Tribuna Ribeirão
DestaqueGeral

Reduflação e a dúzia de 10   

  Prática cada vez mais frequente em supermercados e farmácias, a redução da quantidade de produtos nas embalagens pode iludir consumidores 

Prática não é nova, mas pesquisa aponta que corroeu 3,78% do poder aquisitivo das famílias de menor renda, segundo IBPT  (Adalberto Luque)

Por Adalberto Luque 

 

Escriturária no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Helena Cunha já notou, em suas idas ao mercado, produtos que acabaram tendo suas embalagens reduzidas e o preço mantido. “Muitas vezes a gente não percebe mesmo o que está acontecendo. Quando você olha com muita atenção, percebe que tem uma ‘notificaçãozinha’ de quantidade reduzida”, observa. 

Helena lamenta que os preços não diminuem na proporção em que diminuem as embalagens. “Já percebi isso nos salgadinhos, chocolate e não acho isso uma atitude correta, porque os preços acabam que se mantendo e não voltam mais ao normal”, acrescenta. 

Helena Cunha: só olhando com muita atenção é que se percebe a minúscula notificação na embalagem  (Arquivo pessoal)

Para ela, ir ao mercado se tornou um desafio. “Existem produtos que, não necessariamente, diminuíram o volume, mas por exemplo, o leite condensado, se você não prestar muita atenção, leva mistura láctea e o preço nem sempre é menor.” 

Outra constatação são produtos integrais como o pão de forma que a escriturária consome. “Já reparei, no que eu compro, apenas 38% do produto é integral, o restante não. E o preço nas alturas. Não concordo com isso”, diz. 

Em sua opinião, isso é uma prática prejudicial ao consumidor. “Os preços deveriam ser menores, seguindo a quantidade que vem na embalagem, porque o poder aquisitivo das pessoas está reduzindo cada vez mais. E precisam manter ao máximo a qualidade”, conclui. 

Prática corroeu 3,78% do poder aquisitivo 

A estratégia de reduzir o tamanho das embalagens não é nova. É conhecida por Reduflação. Mas os impactos na renda da população são sensíveis. 

De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) sobre os efeitos da reduflação no Brasil, o poder de compra do brasileiro médio diminuiu 3,78% em 2023. Esse fenômeno, caracterizado pela diminuição da quantidade de produto nas embalagens enquanto o preço permanece o mesmo, tem afetado significativamente os consumidores. 

A estratégia usada pelas indústrias impacta, de acordo com o IBPT, sobretudo as famílias de menor renda, pois muitos dos produtos estão ligados a seus hábitos cotidianos. São produtos onde há uma relação de confiança entre a marca e o consumidor e, muitas vezes, a mudança não é imediatamente notada por quem faz a compra. 

Amaral, do IPBT: “prática tem sido cada vez mais comum e prejudica o poder de compra da população”  
(IBPT/Divulgação)

“O impacto da reduflação é sentido diretamente no bolso do consumidor, que paga o mesmo valor por menos produto. Essa prática tem sido cada vez mais comum e prejudica o poder de compra da população”, afirma Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT. 

A reduflação se tornou uma estratégia de mercado onde as empresas reduzem a quantidade de produto nas embalagens sem alterar o preço, resultando em uma percepção enganosa de estabilidade de preços. Esta prática tem sido amplamente adotada em diversas indústrias, sobretudo na alimentícia e de produtos de higiene, onde a diversidade de embalagens facilita a implementação da estratégia. 

Para realizar a pesquisa, o IBPT utilizou dados coletados pelo aplicativo Citizen IBPT, ferramenta gratuita para controle financeiro pessoal. O aplicativo, utilizado por milhares de brasileiros, permite o registro e análise de notas fiscais, proporcionando uma base de dados para estudos econômicos. A análise das notas fiscais permitiu identificar padrões de reduflação em diversos produtos. 

“Com o Citizen IBPT, conseguimos realizar estudos detalhados e precisos sobre o impacto da inflação e da reduflação no dia a dia dos consumidores. Essa ferramenta nos permite ver de forma clara como os fabricantes têm ajustado as quantidades dos produtos para manter suas margens de lucro”, explicou Amaral. 

Dúzia de 10 

Entre vários produtos que passaram por reduflação, está a embalagem de ovos, a popular cartela. Por muitas décadas, acondicionava uma dúzia de ovos. Pela matemática, uma dúzia é igual a 12. Mas nos tempos modernos a “dúzia” de ovos passou a ter 10 unidades. Isso induz o consumidor a achar que um mercado que venda dúzia com 12 esteja mais caro que o que vende 10 unidades. 

Outro produto que há alguns anos “encolheu” de tamanho foi o óleo de cozinha. As embalagens de um litro passaram a entregar 900 ml do produto. Uma redução de 10%. A olho nu, não parece muito. Mas analisando a fundo, o prejuízo é grande. 

As embalagens diminuíram, mas o preço foi mantido. Neste caso, o IBPT cita o exemplo de estabelecimentos que usam uma fritadeira a óleo. Para sua correta operação, são necessários 24 litros de óleo de soja.  

Antes eram 24 embalagens. Hoje são necessárias pelo menos 27 embalagens, arredondando a quantidade, já que o produto não é vendido a granel. Ou seja, a cada operação, o comerciante está pagando três embalagens de óleo a mais. E isso, certamente, é repassado ao consumidor final. 

Afeta a confiança 

A pesquisa do IBPT apurou ainda os efeitos psicológicos e comportamentais com a mudança de quantidade nas embalagens. Para o Instituto, a prática pode iludir o consumidor que, muitas vezes, não percebe imediatamente a redução na quantidade de produto. “A reduflação não apenas afeta o bolso, mas, também, a confiança do cliente nas marcas e no mercado”, observou Amaral. 

A recomendação do órgão é que o consumidor esteja sempre atento às informações sobre quantidade e preço por unidade de medida nas embalagens. Além disso, existe uma Lei nacional, que obriga a informação clara sobre preços por unidade de medida que deve estar à vista. 

“O consumidor deve estar vigilante e informado para não ser enganado. Comparar preços e quantidades, e exigir transparência dos fabricantes e varejistas, são medidas essenciais para minimizar os impactos da reduflação. O estudo do IBPT evidencia a necessidade de maior fiscalização e transparência no mercado, além de uma maior conscientização por parte dos consumidores”, conclui Amaral. 

Sensação de preço estável 

De acordo com a plataforma Investidor Sardinha, que avalia as empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira, a estratégia de diminuir quantidade e, em alguns casos, até a fórmula, serve para criar a sensação de que o preço do produto está estável. 

O site Investidor Sardinha cita o exemplo das barras de chocolate, que antes pesavam 200 gramas e atualmente têm padrão de 80 gramas. “É claro que essas barras também passaram por um processo inflacionário, mas ao longo dos anos seu tamanho foi diminuindo gradativamente, permitindo que o preço se mantivesse o máximo de tempo possível”, analisa. 

Outro exemplo é a lata de achocolatado. Antes a lata pesava 500 gramas. Hoje pesa 370 gramas e tem muito mais açúcar que antes, alterando até mesmo a cor do produto. Na mesma linha, seguiu o sabão em barra, que antes tinha embalagem de um quilo e hoje apenas 900 gramas.  

Seguindo essa linha, uma tradicional marca de leite condensado preferiu não alterar a quantidade da embalagem, de 395 ml desde 2021. A conclusão foi de que a Reduflação poderia afetar inúmeras receitas, que usam medidas específicas. 

“Eles optaram por mudar a fórmula e lançar um novo produto. Agora, além do leite condensado tradicional, a empresa oferece uma mistura láctea condensada que combina leite, soro de leite e amido”, observa a plataforma, indo de encontro ao que Helena Cunha citou no início da reportagem. 

Reduflação  

Procon-SP orienta 

Reduflação não é prática ilegal, mas as alterações precisam seguir exigências previstas 

Carolina de Freitas, do Procon-RP: prática não é ilegal, mas precisa seguir exigências previstas em Portaria do Ministério da Justiça  (Alfredo Risk)

 A coordenadora do Procon Ribeirão Preto, Carolina de Freitas, explica que a Reduflação não é prática ilegal, mas as alterações precisam seguir exigências previstas na Portaria nº 392, de 29 de setembro de 2021 do Ministério da Justiça. 

De acordo com a portaria, o fabricante deve informar na embalagem do produto a ocorrência da mudança, a alteração da quantidade atual e da anterior e o percentual de redução. As alterações devem constar nas embalagens por pelo menos seis meses após a mudança. 

“Tais informações devem estar na parte principal do rótulo da embalagem do produto com a quantidade modificada e ser escrita com caracteres legíveis (caracteres em caixa alta, negrito, e em cor contrastante com o fundo do rótulo). Caso a embalagem não tenha espaço para colocar todas as informações, o fabricante deve, pelo menos, destacar a alteração da quantidade”, explica Carolina. 

O Procon RP destaca que o consumidor deve sempre ficar atento na indicação de quantidade dos produtos pré-medidos selecionados para compra, visto que embalagens de tamanhos iguais podem conter quantidades divergentes. 

“Além disso, os consumidores podem comparar tamanho e preço, principalmente daqueles produtos de aquisição periódica”, acrescenta. 

Caso o consumidor se sinta prejudicado, o Procon RP orienta que se fotografe a embalagem e entre em contato com o órgão pelo telefone 151 ou com a ouvidoria do IPEM (Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo) pelo telefone 0800 013 05 22 ou pelo e-mail [email protected]. 

 

 

 

Postagens relacionadas

Agências bancárias não abrem amanhã

William Teodoro

Alma realiza audições para os cursos de piano e violino  

William Teodoro

Pessoa mais velha do mundo morre aos 117 anos

Redação 2

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade