Por Leandro Nunes
Ficar em casa e interagir pela internet vem sendo a nova rotina de muitos brasileiros, e do mundo, durante a quarentena contra o novo coronavírus. A lista de eventos para aplacar os efeitos do isolamento social é imensa: cantores apresentam pocket shows ao vivo, atores e escritores recitam dramas e poesia nas redes sociais, psicólogos oferecem sessões de terapia online e professores retomam conteúdo em videochamadas com seus alunos.
Mas há quem tenha experimentado uma pré-quarentena, como foi com os participantes do reality The Circle Brazil, disponível na Netflix. Gravada no ano passado, em Manchester, no Reino Unido, a versão brasileira apresentada por Giovanna Ewbank propõe um desafio às novas gerações, nascidas sob o signo da profissão de influencer, e também lança questionamentos para quem não tem tanta vocação para a vida digital. Para o produtor cultural, Raphael Dumaresq, um dos finalistas, a volta para a casa traz uma sensação estranha. “Meus amigos falaram que o programa foi um ensaio para o que estamos vivendo agora nesta quarentena”, explica ele, ao jornal O Estado de S. Paulo.
Dumaresq ocupou um dos apartamentos de The Circle Brazil no mesmo utilizado para as gravações do reality original, no Reino Unido. Lá dentro, a decoração preparada se inspira no perfil dos participantes. Sem celular, redes sociais e qualquer outra interação com o mundo exterior, eles terão de escolher entre si qual será o grande influencer do jogo. O vencedor leva R$ 300 mil. “Eu fazia minha rotina, cozinhava, cuidava da casa. A diferença é que não pagava aluguel”, afirma ele.
Após uma seletiva realizada no ano passado, o reality escolheu participantes de diferentes partes do Brasil. E não basta a retórica, a grande sacada de The Circle Brazil já começa no seu time de jogadores, com gente de todas as regiões do País.
Não se trata de cota por região, como costuma funcionar para produções feitas no eixo Rio-São Paulo. A vocação sem fronteiras de The Circle é real: Marina é do bairro carioca do Méier, mas Ana Carla é da Paraíba. JP é pernambucano e Ray, manauara. Tem também a dupla de acreanos Lucas e Marcel, e Dumaresq é de Natal O resultado é positivo no quesito sotaques, em vista de produções de confinamento como o veterano Big Brother Brasil, que tem uma preferência mais pelo Sudeste, Sul e Nordeste do Brasil. Mas, diferentemente da produção da TV Globo, o verdadeiro carisma dos competidores de The Circle Brazil se revela apenas para o público, e não entre eles.
A explicação se dá pela rede social que comanda o reality da Netflix. The Circle é como um assistente pessoal, do tipo Alexa da Amazon, em que é possível acionar comandos de voz. Conectada em todos os apartamento, o Circle é uma rede social local, onde a fofoca, as intrigas e confidências vão sendo reveladas.
Cada participante pode criar um perfil livremente, sendo real – com informações verdadeiras sobre idade, características e preferências – ou fake mesmo, com fotos de um amigo e mentirinhas mais amenas, como ter uma idade diferente, estado civil ou profissão. “A gente acha que não vai se surpreender, por estar acostumado à comunicação nas redes, mas o jogo nos leva a interagir com pessoas que não temos certeza que são reais”, comenta o participante.
É claro que criar um fake tem seus riscos. A chance de alguém parecer artificial pode diminuir as oportunidades de conquistar os demais competidores, mesmo assim, não deixa de ser saboroso enganar concorrentes e trazê-los para o seu lado da força. Fakes que possuem um gênero diverso do participante são os mais vulneráveis. Em um dos episódios, um jogador criou um perfil feminino que logo foi questionado pela maneira “forçada” com que conversava.
Se o conflito pode alimentar a trama para quem está assistindo neste lado do confinamento, entre os participantes é perigoso estar muito na ofensiva. Pela lógica, quem tem o poder de garantir sua permanência na disputa está há poucos metros, no apartamento de baixo ou de cima. Por isso, The Circle Brazil mantém um clima amistoso que foge das brigas e baixarias de outros formatos de reality mais populares no País. Não se ganha nada no grito, mas na capacidade de formar – e manter – aliados, e se divertir.
Mas, como todo reality, a disputa também se faz no ruído. Na plataforma Circle, é possível criar grupo fechados, conversas privadas, além das coletivas. É uma forma interessante de ver o comportamento mais “público”, em chats com todos os competidores, e como os segredos são contados nas conversas com apenas dois jogadores.
Em um dos episódios, esse embate se mostra quando uma participante recebe uma surpresa de um dos jogadores. Quando questionada pelo coletivo, a moça nega que foi a contemplada. Por um tempo, fica a impressão de que alguém está mentindo para todo mundo. A derrocada da participante começa quando o jogador que a presenteou passa a informação para outro competidor. Ao final de cada etapa, cada participante deve eleger os seus preferidos, do primeiro ao último lugar. Os dois melhores colocados têm a justa missão de bloquear alguém do jogo. Não deixa de ser um fim virtual, já que o eliminado terá a chance de visitar o apartamento de qualquer um dos outros jogadores.
Com uma estreia em boa hora, a versão brasileira de The Circle demonstra que o confinamento pode ser preenchido com boas doses de entretenimento offline. Dos livros de pintar ao trabalho manual, o tempo é ocupado de maneira relaxante. Festas temáticas, mesmo que individuais, podem ajudar na descontração.
Depois da competição, Dumaresq se mudou de Natal para São Paulo. “Agora estamos todos aqui, e eu confinado novamente. A diferença é que agora ninguém está concorrendo a R$ 300 mil.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.