Tribuna Ribeirão
Cultura

‘Raya e o Último Dragão’ foi quase inteiramente feito home office

A palavra de ordem no es­túdio de animação Disney é colaboração. Artistas, produ­tores, diretores, técnicos pre­cisam criar o mundo numa tela, de paisagens a um piscar de olhos de um personagem. Por isso, é fundamental a troca de ideias na hora do almoço e no café, ou ao topar com um colega no corredor. Todos são chamados a participar de reu­niões e sessões dos filmes em diversos estágios de produção.

Então ninguém sabia se fazer um filme com cada um em sua casa ia dar certo. Mas foi assim que a mais recen­te animação da companhia, Raya e o Último Dragão, foi realizada. “Em março do ano passado, bem quando íamos começar a realmente fazer o filme, fomos mandados para casa”, contou a produtora Osnat Shurer em entrevista ao Estadão, por videoconfe­rência. O que era para durar algumas semanas acabou se tornando semipermanente.

Um ano mais tarde, os es­critórios do estúdio continuam vazios. E Raya e o Último Dra­gão chegou na última quin­ta-feira aos cinemas abertos no Brasil e simultaneamente à plataforma de streaming Dis­ney+, na qual fica disponível de 5 a 19 de março ao custo adicional de R$ 69,90.

Raya e o Último Dragão, dirigido por Don Hall e Car­los López Estrada, procurou a paisagem do Sudeste Asiático como cenário. A região, que abrange Vietnã, Laos, Cam­boja, Malásia e Indonésia, entre outros países, vira um fictício mundo antigo, Ku­mandra, onde seres humanos e dragões viviam em harmo­nia no passado. Mas a magia dos dragões foi perdida, e o território está fraturado entre várias nações hostis entre si. O pai de Raya, Benja (Daniel Dae Kim na voz original), é o líder de Coração – os territó­rios são divididos como par­tes do corpo de um dragão. Um dia, ele convida os chefes dos outros povos para uma reunião em seu palácio. Mas a falta de confiança é pro­funda. Não só não chegam a um acordo como na briga acabam liberando uma força negativa poderosa, que arra­sa as nações, transformando as pessoas em pedra – inclu­sive Benja. Anos mais tarde, agora uma jovem, Raya (voz original de Kelly Marie Tran) está à procura de Sisu, o úl­timo dragão do título, capaz de reverter o feitiço. E, claro, ela vai encontrá-lo, na voz e aparência de Awkwafina.

A Ásia foi pouco explora­da pela Disney em suas ani­mações, à exceção de Mulan (1998), dirigido por Tony Bancroft e Barry Cook Mes­mo se tratando de uma ter­ra fictícia, os roteiristas Qui Nguyen, filho de imigrantes vietnamitas, e Adele Lim, nas­cida na Malásia, e a chefe de história Fawn Veerasunthorn, nascida e criada na Tailândia, inspiraram-se em suas cul­turas para criar os persona­gens, paisagens e elementos de Raya e o Último Dragão. “A maior parte dos filmes de Hollywood que se passam na região são sobre guerra. Ou em geral os personagens dessa origem só aparecem no fun­do ou são as escadas para os protagonistas”, disse Nguyen ao Estadão. “Foi um sonho poder criar uma história em que meus filhos possam se ver como personagens principais, um filme que faz com que se sintam como super-heróis, tendo poder sobre seus pró­prios destinos.” Adele Lim jamais imaginou, crescendo na Malásia, que um dia ia tra­balhar no estúdio que fez um dos primeiros desenhos que amou, Branca de Neve e os Sete Anões. “Sendo uma ga­rota de uma parte do mundo ignorada por Hollywood, pa­rece que ninguém te enxerga. Então fazer o filme foi uma oportunidade que aparece uma vez a cada geração”, con­tou ela ao Estadão.

Não foi diferente para Kelly Marie Tran (a Rose Tico de Star Wars), filha de refu­giados vietnamitas. “Foi emo­cionante para mim, porque nunca me vi em nada quan­do estava crescendo”, disse ao Estadão. “Parece algo mais importante e maior do que eu. Fico grata de participar do filme.” A atriz contou ter se identificado muito com Raya. “Ela passa por coisas difíceis, mas escolhe acreditar na es­perança. É uma das lições do filme.” Outras são evitar fazer generalizações sobre outras pessoas e povos e tentar bus­car a união para melhorar o mundo. “O tema principal do filme é confiança”, explicou o diretor Carlos López Estrada. “O que vai ser preciso para que os povos confiem uns nos outros novamente?”

No caso de Raya e o Últi­mo Dragão, as cerca de 450 pessoas envolvidas na produ­ção precisaram se unir mais do que nunca para conseguir fazer um filme remotamente durante a pandemia. As bri­gas foram raras, segundo os entrevistados, e envolveram basicamente que iguarias se­riam mostradas – numa re­gião de culinárias tão ricas, escolher entre comida tai­landesa, vietnamita ou ma­laia não foi tarefa fácil. “Só deu certo porque havia uma vibração positiva”, explicou o diretor Don Hall. “No fim, apesar da ansiedade inicial, saiu melhor que o esperado”, acrescentou Shurer.

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