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Raul Seixas e seu ‘Ouro de tolo’

Raul Seixas, sempre um dos meus ídolos – cantei por 20 anos na noite de Ribeirão Preto e perdi a conta de quantas vezes interpretei parte da obra do velho “Maluco Beleza”. O cantor da noite, se quiser agradar ao público que frequenta bares para descontrair, curtir um música, tem, por obrigação, de passear pelo repertório dos mais variados e Raul Seixas era e é um dos imortais mais cantados.

Cantei na Choperia Degraus por seis anos, ficava ali na Treze de Maio, uma época maravilhosa para nossos músicos. A avenida acomodava nada menos que 22 bares com música ao vivo. Quando a gente olhava o movimento, costumávamos dizer: “Pra ser um Rio de Janeiro só falta uma praia do outro lado”.

Cantei ali com o saudoso sambista Agepê. Tinha lido que na noite seguinte ele faria show no Porcada. De repente, estava eu no palco do Degraus cantando sambas, quando me entra o Agepê, acompanhado de um sujeito que depois descobri ser seu empresário. Fazia um calor de rachar e eles de cara pediram para o China (garçom) trazer – urgente! – dois chopes.

Eu não via o momento de poder cumprimentá-lo. No meu intervalo, fui até sua mesa e tive a cara de pau de convidá-lo a cantar comigo. Disse que cantava vários sambas de sua autoria e no seu tom, o que era mais importante. O empresário, meio que de mau humor, falou: “Ele não vai cantar, não, quem quiser vê-lo num palco que vá amanhã no Porcada”. Fiquei sem graça e me lembro de ter dito: “Concordo com você, só tenho que agradecer a presença do Agepê na choperia em que canto”.

O sambista não gostou da forma que seu empresário se portou e num tom ríspido, disse: “Quem disse pra você que não vou cantar aqui? O artista da casa gentilmente me convidou e eu vou”. Pedi licença, voltei ao palco e quando dei por mim Agepê estava do meu lado. Passou a mão no microfone e de cara falou: “Meu irmão, me dê um ‘lá maior’.” Fiz o acorde e ele mandou ver “Moro onde não mora ninguém”.

O Degraus lotado – e surpreso – aplaudiu muito. Também, pudera, estavam assistindo Agepê de graça. O cantor ficou comigo quase uma hora cantando grandes sambas seus e de outros sambistas cariocas. Agepê, antes de ser famoso, trabalhava em uma empresa de telefonia, vivia subindo em postes e ligando fios pelo seu Rio de Janeiro.

Voltando ao Raul Seixas, vivi no mesmo Degraus uma história dessas que só acontecem com a gente uma vez na vida. Tinha acabado de cantar algumas músicas do “Maluco Beleza” e quando desci para o salão, um cara cabeludo, sozinho em uma mesa, me abordou e perguntou se ele podia dar uma canja comigo, tocando bateria. Disse a ele para pedir pro Luizão batera, meu parceiro.

Chamei Luizão à mesa e ele fez o pedido. O baterista, antes de autorizar, quis saber quais as habilidades musicais e ele logo respondeu: “Sou baterista do Raul Seixas, na gravação do rock “Al Capone”em que tem uma bateria feroz, fui eu que gravei e arrebentei naquela música”.

Aí, parceiro, eu é que fiquei animado. Imaginem, iria tocar com o baterista do Raul Seixas, meu ídolo. E ele foi, ajeitou aquele redondo e minúsculo banquinho de baterista e nós arrebentamos naquele palco. Pra não perder a oportunidade cantei tudo que sabia de Raul.

Quis saber como ele veio parar aqui, disse que chegou na rodoviária de São Paulo para comprar passagem para São José do Rio Preto, não soube explicar a confusão que fez e acabou comprando pra Ribeirão Preto. Chegando aqui não havia mais horário pra Rio Preto, resolveu dar uma volta na noite e acabou ali no Degraus, para ir embora na manhã seguinte. No meu currículo posso escrever: “Toquei e cantei com o baterista do Raul Seixas”.

Em 1973, quando ouvi pela primeira vez Raul cantando “Ouro de tolo”, pensei: “Esse cara é um gênio, como pode compor uma música destas, o andamento delicioso, enormes frases dentro de um compasso, a letra..” Não tinha visto ainda tanta originalidade, e ela foi considerada pela revista Rolling Stone uma das 100 músicas do século. Inesquecível Raul Seixas.
Sexta conto mais.

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