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Racismo com bases bíblicas, que horror (parte II)

Mas vejamos a maldição sobre a África. Não dá para aceitar que seja uma interpretação do pastor, pois nenhum biblista sério vai afirmar que Deus amaldiçoou a África. Ele se reporta à maldição sobre os descendentes de Cam, um dos três filhos de Noé, já citados. Cam viu a nudez de seu pai embriagado e nada fez, ao contrário dos seus irmãos que o cobriram com respeito. Quando Noé acordou, amaldiçoou um dos filhos de Cam, Canaã. Percebe-se aqui, mais uma vez, um texto mais teológico que histórico.

As palavras de maldição de Noé dizem respeito ao filho mais novo de Cam, Canaã, e não a Cam propriamente: “Maldito seja Canaã! Que ele seja para seus irmãos, o último dos escravos!” (Gênesis 9:25). Na teologia do Antigo Testa­mento, as bênçãos e as maldições dos patriarcas são pala­vras eficazes que atingem um chefe de clã e se realizam em seus descendentes: a raça de Canaã será submetida a Sem, antepassado de Abraão e dos israelitas, postos sob a prote­ção especial de Iahweh, a divindade israelita, e a Jafé, cujos descendentes prosperarão às custas de Sem.

a situação histórica a que se refere este texto, seria a dos reinados de Saul e de Davi, os dois primeiros reis do Israel, ocasião em que os israelitas enfrentavam as cidades-estados inimigas de Canaã e os filisteus, pelo cumprimento da pro­messa de Iahweh de que aquela terra tão fértil seria herdada por eles. Portanto, a inimizade entre os dois povos, israelitas e cananeus, possui no texto de Gênesis uma origem históri­ca, mas que recebe também e principalmente uma explica­ção teológica.

A África entrou nesta história por conta do Pastor Marco Feliciano. Entre os outros irmãos de Canaã estão Mesraim que se refere ao Egito, país do norte da África, e Cuch que o próprio Antigo Testamento tem dificuldade de situar geograficamente, pois seus descendentes podem ser encon­trados desde a Etiópia/Sudão, no nordeste da África, das duas margens do mar Vermelho (africano e árabe-asiático) até a Mesopotâmia (Gênesis, 10:8-10). A ilação apressada do pastor se baseia na informação de que Mesraim e Cuch são povos africanos e que, portanto, a maldição de Noé se estenderia para todos os povos do continente, inclusive os negros. Um absurdo histórico e teológico!

Pastor, a miséria da nossa mãe África nada tem a ver com o Deus israelita e cristão. Tem a ver sim com a maldi­ção humana. Tem a ver sim com a espoliação de que ela foi vítima do imperialismo europeu-cristão desde a época da expansão marítima dos séculos XV e XVI da nossa era. Tem a ver com os milhões de seres humanos, como nós, que de lá foram arrancados para o trabalho escravo nos canaviais, nos cafezais, inclusive nos de Ribeirão Preto e região, e nas minas de ouro e diamantes, trabalho escravo prestado para os brancos cristãos. Isso sim ofende a Deus e mereceria uma maldição dEle. Isso sim mereceria da parte de todos nós um “mea culpa” civilizacional.

Pela sua fé, pastor, deixe Deus fora disso. Com certeza, Ele ficará muito satisfeito, pois já no Antigo Testamento seus profetas advertiam: “O meu povo é destruído por lhe faltar conhecimento” (Oséias 4:6) e até Jesus não deixou por menos: “Errais em não conhecer as escrituras e nem o poder de Deus” (Mateus 22:29). Deus nos ama a todos e quer que amemos uns aos outros e não discriminemos, muito menos discriminemos em nome dEle. Deus não amaldiçoa a nin­guém e a nenhum povo!

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