Perci Guzzo *
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Eu gostaria de conhecer a Lapônia. Após as visitas no mundo todo, quando estiver retornando, você passaria em casa e me levaria de trenó e renas para a Lapônia? Nunca senti a neve, não vi a aurora boreal e não conheço o pinheiro da árvore de Natal… Sonho morar numa paisagem fria, gelada, nem que seja por um curto período. Sem medo. E o urso polar, hein? Psiu!
Eu gostaria que meu país fosse mais silencioso. Será seu trenó um meio de transporte barulhento como as motocicletas no Brasil? Após as visitas no mundo todo, quando estiver retornando, você passaria em casa às 4 horas da manhã, quando só se ouvem os primeiros pipilos e gorjeios, e me levaria para a Lapônia? Viajaríamos calados um bom trecho da viagem contemplando a alvorada.
Eu gostaria de conversar contigo sobre refrigerantes. Você deve saber que após o comprometimento da quantidade e qualidade das águas, este bem natural deixou de ser acessível a todes – como ainda é o ar que respiramos -, para ser um produto restrito a quem pode pagá-lo, não é? E pra fazer refrigerantes usa-se muita água… e açúcar. O que você pensa sobre as crianças serem incentivadas a ingerir refrigerantes?
Espero que não interprete o que acabei de escrever como um mal comportamento…
Eu gostaria que nossas cidades, que são nossos habitats, fossem ecológicas, artísticas e educadoras. Que elas proporcionassem experiências prazerosas e muita saúde às pessoas. E não o contrário como venho percebendo. Será que você pode interceder e mandar um fluxo de carinho aos que decidem, projetam e legislam sobre nossas cidades? Tenho muito pra te contar durante nossa viagem sobre esse assunto.
Eu gostaria de te convidar para um banho de cachoeira e também para uma visita às crianças Yanomami. Podemos fazer as duas coisas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Sem presentes desses que você entrega no dia de Natal, ok? Levaremos nossa empatia e afeto. Além disso, ficaremos sabendo se houve ou não, uma melhora na condição de vida do mais numeroso povo indígena do Brasil.
Eu gostaria também de pedir sua ajuda para que meu povo retomasse o contato com a terra. O cultivo de alimentos, de flores e de árvores é uma prática que se perdeu à medida que as pessoas passaram a viver e cultuar o urbano preguiçoso e estressado. Como será que os lapões lidam com a terra quando ela não está congelada? Sei que no passado seu povo era predominantemente nômade e vocês eram caçadores e coletores…
Espero que tenha paciência com meus tantos pedidos coletivos, pois sei que você está acostumado com pedidos individuais. Já estou terminando…
Eu gostaria que você nos ajudasse a construir um mundo mais justo e assim, cultivarmos e mantermos a paz. Difícil essa, hein? Poderíamos tentar, a partir do desafio climático, buscar maior solidariedade com o outro, com os povos e os países. Eu tenho minhas dúvidas se a ONU dá conta sozinha, sabe? Tive uma ideia dias atrás: e se começássemos a andar carregando um livro nas mãos ou debaixo do braço? Fiz essa experiência e percebi que as pessoas se desarmam…
Eu gostaria por fim, pedir pelos animais. Há uma beleza e uma sinceridade em cada bicho. Você já deve ter percebido isso nos lobos, nos husky-siberianos e nas lebres da neve. Eles dividem conosco o espaço e o tempo na Terra. São a expressão máxima da vida! Olhe por todos nós, pais e mães de animais domésticos. Todos nós que estudamos e protegemos os animais silvestres que vivem livres na natureza. Têm parques e reservas na Lapônia que resguardam o ambiente da fauna?
Agora vou colocar meus tênis preferidos na janela e dormirei com ela aberta. Bom trabalho, Papai Noel! Boa noite. Feliz Natal!
(Foi assim que fiz as pazes com o velhinho capitalista… aliás, comunista)
* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições