Eu estava com oito anos de idade. Estudava no Colégio Sagrado Coração de Jesus, na Vila Santo Afonso de Novo Hamburgo (RS). Servia como coroinha na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, cuja Igreja Matriz fica situada em frente ao Colégio. Os Jesuítas, aos finais de semana, colaboravam com o Pároco nas celebrações e atividades pastorais. Iam de São Leopoldo, onde está o imenso Colégio Cristo Rei, na época Casa de Formação dos Padres Jesuítas, hoje Centro de Espiritualidade da Diocese de Novo Hamburgo.
O Padre Ivo Müller fizera seu estágio pastoral como Diácono transitório, em nossa Paróquia. Depois de ordenado Sacerdote foi celebrar uma de suas Primeiras Missas em nossa Igreja Matriz. Nós, os Coroinhas, preparamos tudo com grande zelo, para que a Primeira Missa do Néo-Sacerdote fosse solene!
As Senhoras do Apostolado da Oração prepararam um jantar muito chique no Salão Paroquial. A Irmã Neófita, hoje na feliz eternidade, era minha professora no Segundo Ano do então Primário, hoje Ensino Fundamental I. Ela conhecia uma de minhas habilidades em declamar poesias. Para homenagear o Padre Ivo Müller a irmã pediu-me que decorasse uma das poesias do Padre Paulo Aripe de Alegrete (RS).
Foi um grande poeta e preservava a tradição gaúcha, como CTG – Centro de Tradições Gaúchas. Suas poesias, em sua maioria, eram voltadas à linguagem gauchesca. Uma delas chamava-se “Minha Primeira Missa”! Esta poesia contém quarenta longos versos. Foi a escolhida para que eu a declamasse antes de servirem o jantar ao Néo-Sacerdote no Salão Paroquial muito lindamente preparado.
Terminada a Solene Primeira Missa do Padre Ivo, fomos ao Salão Paroquial. Eu, de família muito humilde, jamais vira um Salão tão lindo e cheio de pessoas, prestes a jantarem, manifestando assim sua gratidão por um Padre tão querido da Comunidade. Padre Ivo Müller era acolhedor e tratava com especial dedicação crianças, jovens e idosos. Todos o admiravam, eu inclusive.
Tão logo Padre Ivo adentrou ao salão, depois de cumprimentado por todos, alguém pediu silêncio. Já sentados às mesas, puseram-me sobre uma delas, bem no meio do salão, diante da mesa do Néo-Sacerdote. Dona Generosa, a acordeonista de nosso CTG, brindou-nos um belíssimo fundo musical e eu comecei a declamar aquela longa poesia: “Minha Primeira Missa”, em homenagem ao Padre Ivo.
Ficara muitas horas ensaiando diante do espelho até chegar aquele dia. Minha declamação foi perfeita. Principalmente as Senhoras do Apostolado, mas também o Padre Ivo, permitiam lágrimas de grande emoção escorrem rostos abaixo. Alguns se diziam arrepiados de tanto que gostaram da poesia, uma verdadeira prece de gratidão de um Padre recém-ordenado.
Terminada a homenagem, o Padre Ivo me segurou no colo e me cobriu de beijos e abraços. Eu ainda muito pequeno, mais parecia um botijão de gás, ouvia os aplausos e elogios de todos os lados, mas sentindo-me um tanto deslocado e envergonhado por não ser aquele meu ambiente: era chique demais para alguém tão pobre e simples como eu. Mesmo assim as Senhoras do Apostolado e o Padre Ivo insistiram que eu me assentasse à mesa para jantar com eles. Resisti, mas me convenceram e sentei-me próximo a um grupo de Senhoras ainda muito emocionadas.
Quando já me haviam servido a salada, senti uma mão firme e pesada sobre meus raquíticos ombros. Olhei para trás e vi a Irmã Neófita, vestida de hábito negro olhando com um olhar repreensivo para mim. Falou com voz firme, embora em som baixo: “Quem foi que te convidou para jantar? Teu serviço já acabou, some daqui. Este lugar não é para ti”. Sem nada dizer, levantei-me e saí correndo entre as mesas. Corri quatro quilômetros até chegar em casa, chorando, sem nada dizer a ninguém. Por muitos anos senti dificuldade de aceitar qualquer convite para jantar. Depois, com excelentes terapias superei o trauma, e escrevo hoje para pedir aos meus leitores: jamais traumatizemos alguma criança. Amemos as crianças e sua pureza sempre!