O fogo não é algo natural no bioma amazônico. É necessária uma fonte de ignição antrópica que provoque a queimada da floresta. Diferente do Cerrado, onde fogo e vegetação coevoluíram, e por isso as árvores desenvolveram proteção com caules suberosos, na Amazônia as árvores queimam até morrerem. O motivo principal das queimadas na região Norte do país é o desmatamento.
Primeiramente derruba-se a floresta com correntão, ou seja, dois tratores interligados por uma imensa corrente de aço leva a floresta ao chão. Em seguida a vegetação fica secando pelos meses de estiagem. Após perder umidade, ateia-se fogo, quando são liberadas imensas quantidades de gases-estufa. Por fim, tudo vira cinzas e, então, planta-se capim para formar pasto.
Costumeiramente, os governos de plantão acusam o tempo atmosférico (chuva e seca) como responsáveis por danos ambientais, o que não corresponde com os fatos. Temos experimentado um gosto amargo de crimes ambientais nestes últimos anos. Políticas governamentais frágeis, quando não ausentes, para o setor ambiental, somados a retrocessos na legislação ambiental, capitaneados por legisladores inconsequentes, são as principais causas de tantas perdas.
Neste ano os índices de desmatamento aumentaram motivados por uma sequência de declarações, decisões e ações que se configuram como uma verdadeira antipolítica ambiental. Para citar um exemplo, o governo federal decidiu rejeitar recursos de países europeus que são utilizados para o controle do desmatamento ilegal e em projetos de conservação da natureza. Se a floresta queima mais em 2019, ano em que a estiagem não é intensa como a de 2015, quando houve o fenômeno El Niño, deve-se ao aumento no desmatamento.
O Senado aprovou no último dia 21 de agosto a Medida Provisória da Liberdade Econômica. A lei prevê dispensa de licença ambiental “por decurso de prazo” para atividades como supressão de vegetação e outorga de água. Com o sucateamento do Poder Público em curso, trata-se claramente de institucionalização do desmatamento.
Mas o fogo também está relacionado ao modelo equivocado de ocupação da Amazônia. O erro tem início com os militares no poder na década de 1970. A ideia fixa de integração nacional levou estradas megalomaníacas que atraíram o garimpo, o desmatamento, a grilagem de terras e muito boi. Desconsiderou-se os modos tradicionais de sobrevivência e economia, sobretudo extrativista, do povo amazônida. O modelo de ocupação sulista gera conflitos e deteriora o ambiente. Há inúmeros estudos e experiências com os povos da floresta que demonstram viabilidade produtiva aliado à conservação da natureza.No dia 22 de agosto último, por decisão da 1ª Vara Federal de Manaus, a União e a Funai foram condenadas a indenizar indígenas das etnias tenharim e jiahui, em R$ 10 milhões, por danos causados pela construção da Transamazônica.
Outro aspecto que se ouve muito neste momento é que a degradação do ambiente físico e biológico não tem ligação com a agropecuária comercial de exportação. Não é a “imagem” da agropecuária comercial de exportação que precisa mudar lá fora; é a “própria” agropecuária comercial de exportação que precisa mudar aqui dentro. O avanço da agricultura e da pecuária nas últimas décadas sobre o Cerrado, a Caatinga e a Amazônia imprimiram perdas de biodiversidade, alterações no ciclo hidrológico, inclusive no regime de chuvas, bem como a contaminação do solo por excesso de fertilizantes e agrotóxicos. A conversão mal planejada de ambientes naturais em sistemas agrícolas convencionais é nossa principal fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE). O Brasil possui vocação agrícola e florestal.
Está colocado o desafio premente à agropecuária de grande escala, a partir de acordos econômicos multilaterais recém-assinados, de produzir de modo verdadeiramente sustentável. As vozes científicas e tecnológicas das universidades e da Embrapa têm sido ditas em bom tom há um bom tempo. Um outro modo de refrear as emissões de GEE é diminuirmos ou deixarmos de comer carne vermelha. A maior parte da soja brasileira exportada é utilizada na alimentação de rebanhos bovinos europeus e asiáticos. Você abriria mão do seu medalhão de picanha em favor de um futuro mais seguro climaticamente?
A teoria conspiratória de internacionalização da Amazônia construída a partir de suspeitas infundadas na Ditadura Militar (1964-85) ganha fertilidade neste momento triste da nação. Não há um registro sequer de tentativa de independência em qualquer parte da Amazônia que tenha sido reivindicado por ONGs estrangeiras ou por povos indígenas. Por outro lado, o jargão “ocupar para não entregar” vem deixando sua marca indelével de destruição. Está claro que uma parte da sociedade brasileira é incapaz de pensar, planejar e fazer da Amazônia um território desenvolvido onde não viceje o genocídio e o ecocídio.