O que significa a palavra “suppressio”? Um professor de direito poderia assustar o seu aluno ao examiná-lo numa extraordinária prova em um exame de final de ano. Se o mestre colhesse apenas o silêncio angustiante do aluno, revelaria que grandes mestres da ciência jurídica já examinaram direta ou indiretamente o tema entre eles: Cândido Rangel Dinamarco, Menezes Cordeiro,Filippo Ranieri, Nancy Andrighi e Canotilho.
Recentemente o professor Cândido Rangel Dinamarco lançou um livro no qual não só documenta sua extraordinária caminhada pelos caminhos e pelas veredas impostos pelo exercício da cátedra da ciência do Direito Processual, como também timbra temas com sua reconhecida autoridade, entre eles “suppressio”. A obra foi batizada com o nome de ”Memórias de um Processualista”, editada pelas editoras “Juspodvm” e “Malheiros”.
É publicamente impossível caminhar ao lado de tão notável mestre, especialmente pelas veredas de uma das áreas de mais desenvolvimento do direito brasileiro: o direito processual. Mas se nos falta fôlego, com certeza sobra atrevimento.
A palavra introdutória busca no passado o registro da obra meritória. “Memória” vem do latim “memor, memoris”, o que se lembra. O que não se oculta o que não se recorda guarda-se na memória. Os romanos estavam seguros que a sua memória estava instalada no seu coração, ou seja, no seu “cor, cordis”. Mesmo após a ciência depositar a memória no cérebro, ainda as nossas palavras guardam a semente da sua história. Entre nós “decorar” ou “recordar” tem sua chave instalada no “cor” de Roma. Enseja o título do novo livro que devemos subir degraus de um altar para alcançar a sapiência: “qui laetificat anima mea”.
Os caminhos documentam dois destinos irmanados. O primeiro documenta o caminho do professor universitário. O segundo retrata a transmissão mais moderna da configuração da ciência processual.
No primeiro espaço, é possível ver o itinerário do estudante que ingressa na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, passando a somar títulos escolhidos nos quadros da Universidade Estatal de Milão, na companhia do Professor Enrico Tulio Liebman.
Cândido Rangel Dinamarco tornou-se professor da USP, promotor de Justiça de São Paulo, desembargador do nosso Tribunal de Justiça, para se converter em membro da Comissão de Revisão dos nossos Códigos de Processo Civil.
Ao avançar, no mesmo livro, para o seu segundo destino, o mestre Cândido Dinamarco não apenas ilumina as veredas e os trilhos de seus eternos discípulos, como passa a anunciar novos alvos que indicam a necessidade extrema de impor a honestidade como pedra axial da aplicação da ciência jurídica.
Tanto assim que em várias e inesquecíveis páginas, por exemplo, examina a figura da “suppressio”, ou seja, a extinção da titularidade de um direito juridicamente reconhecido pelo titular, como resultante de sua conduta. São suas palavras: “Supressio é mais uma causa de extinção de direitos, obrigações ou deveres, não diretamente disciplinada pelo direito positivo brasileiro e acostada à prescrição, e à decadência, produzindo efeitos análogos aos produzidos por estas mas destas se diferenciando substancialmente em seus pressupostos”.
Cândido Dinamarco, com a clareza insubstituível, transmite ao leitor, os elementos constitutivos do direito brasileiro, repercutindo entre nós figuras, como a “supressio”, já consagrados no direito estrangeiro, como o da Alemanha, da Itália e de Portugal “Qui laetificat anima mea”.