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Que amanhã não seja só um ontem com um novo nome

Sei que estamos em plena quaresma, mas preciso tratar so­bre os desfiles das Escolas de Samba de São Paulo e Rio de Ja­neiro que diferente da singeleza de 1932, quando a Mangueira conquistou o primeiro título, transformaram-se em lucrativa e inigualável expressão e manifestação cultural brasileira. Além da importância cultural, também têm grandes implica­ções sociais, históricas, culturais, políticas e econômicas. Um gigantesco espetáculo onde, apenas no Rio de Janeiro, atraiu cerca de 100 mil pessoas e movimentou aproximadamente 4,5 bilhões de reais. O arranjo produtivo em torno das escolas gerou 20 mil postos de trabalho, desde os empregos diretos, através de contratação de profissionais e artistas, aos indire­tos, como produção de equipamentos, montagem de estrutu­ras, serviços de hotelaria e alimentação, entre tantos.

Quando em 1928, o compositor Ismael Silva reuniu os principais sambistas do bairro carioca do Estácio em frente à antiga Escola Normal, batizando o grupo de Escola de Samba Deixa Falar, queria apenas formar um bloco carnavalesco diferente, onde os participantes pudessem dançar e evoluir ao ritmo do samba. Ninguém imaginaria que aquele seria o embrião para uma das maiores festas populares do mundo. As escolas de samba sempre foram contestadas e encaradas por muitos como um espetáculo da luxuria, libertinagem e pecado, porém, o carnaval nas passarelas do samba conquis­tou ao logo dos anos o status de palco da democracia e da liberdade onde são discutidos todos os temas relevantes da nossa sociedade.

Atualmente mais do que aula de samba, temos aulas de ge­ografia, história, política e cidadania, basta olhar para a campeã carioca, Imperatriz Leopoldinense, que apresentou os cordéis nordestinos destacando Virgulino da Silva Ferreira, o Lampião enquanto a campeã paulistana resgatou a história de Yasuke, o primeiro samurai negro do Japão; a Vila Isabel e a Gaviões da Fiel falaram sobre fé e intolerância religiosa; a Viradouro trouxe Rosa Maria Egipcíaca, primeira mulher negra no Brasil a escre­ver um livro; a temática indígena, mais atual do que nunca, foi defendida pela Barroca Zona Sul com enredo Guaicurus, que habitaram os estados do Mato Grosso do Sul, Goiás, além da região do Chaco paraguaio; o grito dos excluídos no bicen­tenário da independência foi o tema da Beija Flor.

Infelizmente em algumas cidades os desfiles das Escolas de Samba foram esvaziados pelas administrações públicas que boicotam, cortam recursos, impõem exigências excessivas e ameaçam a sobrevivência das escolas. Para não morrer seus integrantes recorrem a ações entre amigos, eventos e busca de leis de incentivo.

Se no passado as escolas de samba eram a resposta das classes populares que manifestavam suas identidades em resistência à estigmatização imposta pelas elites que copiavam padrões socioculturais europeus, atualmente, além da preservação da história e cultura, a maioria das escolas mantém projetos educacionais, de esporte e lazer abrindo novos horizontes para as comunidades, especial­mente para jovens e crianças. Como propôs a Escola Rosas de Ouro com o enredo “Kindala – que amanhã não seja só um ontem com um novo nome”. Ao exaltar a luta, a força e as conquistas do povo negro através dos tempos, lembre­mos que debater e vencer pautas como liberdade religiosa, justiça, igualdade e respeito, que surgiram com nossos ancestrais escravizados e continua sendo uma necessidade permanente e não apenas nos dias de carnaval.

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