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Quanto valia uma vida por aqui em 1866

No nosso último artigo, sábado passado, demos a conhecer um personagem das origens de Ribeirão Preto e que teve grande importância na decisão de se edificar esta cidade. Falamos de Manoel Fernandes do Nascimento, o fabriqueiro da Igreja. Vamos passar mais algumas informações sobre ele no artigo de hoje.

Manoel, ainda jovem, assistira ao nascimento da cidade de Itajubá, fun­dada de uma forma incomum pelo vigário Lourenço da Costa Moreira. Em 1818, Pe. Lourenço recebeu provisão para ser o vigário da freguesia de Nossa Senhora da Soledade de Itajubá (hoje Delfim Moreira). Era um lugar deca­dente da época da mineração. O novo vigário não teve dúvida: convenceu grande parte dos seus paroquianos de descer a serra em procissão e no vale do Rio Sapucaí, fundar um novo arraial. A família de Manoel acompanhou o vigário nesta empreitada.

Em 1831, o Pe. Lourenço, incompatibilizado com os antigos habitantes do Itajubá Velho, tentou transferir de lá documentos e alfaias. O conflito se generalizou e chegou a ocorrer um enfrentamento armado entre os dois grupos no lugar que ainda hoje conserva o nome de Encontro. A tudo isso pôde assistir muito de perto o jovem Manoel, pois sua família, além de muito religiosa, era muito ligada ao vigário, inclusive por relações de parentesco e compadrio. Ele pôde aprender ainda muito cedo como se funda uma cidade e mais tarde quis aplicar a lição no lugar para onde mudou com sua família no interior paulista.

Ainda há divergências sobre quando Manoel Fernandes chegou por aqui. Pelo testamento de sua primeira esposa, houve uma remoção de terras de Itajubá em nome dos seus quatro filhos mais velhos com terras na fazenda do Retiro, em Ribeirão Preto. É de 26/10/1844 o título de propriedade de Manoel Fernandes em terras na fazenda do Retiro. Assim, podemos concluir que desde 1844, ele planejava a sua vinda para Ribeirão Preto.

Mas tudo indica que ele chegou mesmo a Ribeirão Preto entre 1846 e 1848, já que seu segundo filho do segundo casamento, Moisés, ainda nasceu em Itajubá, em 1846. Mas sua presença já pode ser comprovada em Ribei­rão Preto em 1848, quando aparece batizando sua filha Francisca na matriz de São Simão no dia de Natal daquele ano. Francisca havia nascido em 09/07/1848, mas o documento de batismo não fala em que lugar.

O nosso Manoel ficou mais conhecido pela tragédia que lhe ceifou a vida. Em 1866, ele foi gravemente ferido por Manoel Félix de Campos. Acabou morrendo meses depois. A polícia de Casa Branca tomou depoimentos e, perante o júri popular, o réu confessou que praticara o crime a mando da mulher do rico comerciante Manoel Soares de Castilho, em troca de R$ 10.000 e uma garrafa cheia de cachaça! O motivo alegado para o crime foi o fato de Fernandes, como fabriqueiro da Igreja, pretender abrir uma rua bem na propriedade de Castilho.

Este não foi o primeiro crime que aconteceu em Ribeirão Preto, mas foi o de maior repercussão naqueles tempos. Afinal, o fabriqueiro era, de certa forma, uma autoridade no lugar, representava a Igreja e o Estado na comunidade nascente. O réu foi condenado à prisão perpétua e os mandan­tes chegaram a ser presos, mas nem sequer foram a julgamento, sendo logo libertados, apesar das acusações irrefutáveis contra eles.

Castilho era um homem violento e vingativo. É o que se pode perceber por outros crimes em que ele se envolveu. As desavenças que explicam o assassinato de Fernandes continuaram mesmo após a sua morte. Em 1870, Castilho entrou em juízo contra Moisés, filho de Manoel Fernandes, por se sentir ameaçado de morte. Como prova da acusação apresentava um bilhete ameaçador de um ano antes. Exigia na Justiça que Moisés assinasse um “ter­mo de segurança de vida”, conforme previsto na lei.

Mas o motivo real das discussões parecia ser a frequente invasão das plantações de Moisés pelo gado de Castilho. Em um dos seus depoimentos, Moisés afirma que “uma cruz daria lembrança nesse lugar que ali (seu pai) tinha caído vítima das iniquidades de Manoel de Castilho”. O juiz mandou arquivar o processo, desqualificando a denúncia do autor. Mas o lugar da cruz continua marcado por um pequeno monumento na Praça Manoel Fer­nandes do Nascimento, no início da avenida Portugal, na Vila Seixas.

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