Tribuna Ribeirão
Esportes

Quando o populismo calça as chuteiras

O gesto polêmico do pre­sidente eleito Jair Bolsonaro de adentrar o gramado do Allianz Parque logo após o en­cerramento da partida entre Palmeiras e Vitória, válida pela última rodada do Campeona­to Brasileiro da Série A, reas­cendeu um antigo debate que envolve o futebol e a política. O Alviverde tinha pela frente um time já rebaixado e jogava para cumprir tabela e festejar o campeonato que havia con­quistado uma semana antes.

Em campo, vestindo uma camisa de seu clube, com a número 10 e com direito a seu nome no costado, o ilustre pal­meirense, aos gritos de ‘Mito’ que ecoavam das arquibanca­das, ergueu a pesada taça de 12 quilos, mesmo ainda em convalescência de uma facada no abdome e que o levou a três cirurgias – uma quarta para a retirada da bolsa de colonos­copia será realizada em janei­ro, após a posse-, e fez questão de saudar todos os jogadores. Só faltou dar a volta olímpica.

Torcedores ilustres do Pal­meiras reprovaram as cenas que correram o mundo e en­controu em Tite, Campeão Mundial pelo Corinthians e técnico da seleção brasileira, um crítico algoz do populista. Ele deixou claro que não participa­ria de uma festa do título com a presença de um presidente da República. “As atividades não se misturam. Tem uma série de valores éticos, morais e com­petitivos que não permitem essa mistura”, afirmou.

O nome Jair foi em home­nagem a Jair da Rosa Pinto, o craque camisa 10 do Palmei­ras, na década de 1950, e que também jogou no Flamen­go, Santos e Vasco. Mas Jair Messias Bolsonaro não foi o único a fazer uso do futebol com interesses políticos. O Brasil é pródigo em exemplos de presidentes que surfaram nessa onda. O pontapé inicial foi dado na Copa da Suécia, quando o Brasil ganhou o seu primeiro título de Campeão do Mundo.

Copa de 1958
Em 1958, quando o Brasil conquistou o seu primeiro título de campeão mundial de futebol, na Copa da Suécia, a seleção canarinho foi recebida no Rio de Janeiro, então capital federal, pelo presidente da República, Juscelino Kubitschek. Antes de chegar ao Palácio do Catete, os jogadores foram cercados por uma multidão que além de seus ídolos, também queria ver nas mãos de Bellini, a cobiçada taça Jules Rimet.

Havia oito anos do fracasso do Maracanazo, quando o Brasil foi derrotado na decisão da Copa de 1950, por 2 a 1, diante de 200 mil torcedores que tomaram todos os espaços possíveis do antigo Ma­racanã, na época o maior estádio do mundo.

“Recebo a taça não para mim, mas para a nação brasileira. Obtivemos pela primeira vez o emblema da vi­tória, como afirmação de uma raça que inicia uma fase de novas con­quistas,” bradou com ufanismo o presidente a taça de ouro das mãos do capitão do scratch brasileiro.

O dia 2 de julho de 1958 iria inaugurar um novo período do populismo e iria envolver, nas conquistas seguintes, mais quatro presidentes, em outros quatro triunfos da seleção canarinho nas Copas do Chile (1962), México (1970), Estados Unidos (1994) e Japão e Coreia do Sul (2002).

Copa de 1962
Como não há ideologia no popu­lismo, nem de direita e tampouco de esquerda, em 1962 até o então presidente João Goulart, aquele que antecedeu o Golpe Militar de 1964 e foi apontado como co­munista pelos golpistas, também se rendeu aos encantos de estar diante da delegação campeã, da taça e dos holofotes, embora mais comedido. Tudo isso agora em Bra­sília, a nova capital. O presidente recebeu e tirou foto com as mãos na taça, ao lado dos capitães do bi: Bellini e Mauro e de Pelé.

Copa de 1970
A conquista de 1970, no México, no auge da ditadura, coloriu dramaticamente o triunfo de uma seleção que até hoje povoa a lembrança do torcedor bra­sileiro, com Jairzinho, Gerson, Tostão, Pelé, Rivelino e com­panhia limitada. A delegação vitoriosa com os tricampeões foi recebida em Brasília, na Praça dos Três Poderes, pelo ditador mais impiedoso dos quatro mili­tares que ocuparam a cadeira da Presidência da República.

A exploração política da vitória no México, em 1970, envolveu também o centro do poder nos anos de chumbo.

Os craques almoçaram na com­panhia do general Emilio Garras­tazu Médici, receberam prêmios e condecorações. O militar decretou ponto facultativo no país por dois dias: era o carnaval em junho. Médici via na felicidade do povo com o futebol tricampeão “o mais puro sentimento patriótico”.

“Os brasileiros mere­cem um carnaval extra,” declarou Médici, que em meio à euforia do tri cunhou a célebre frase: “ninguém segura este país”.

Copa de 1994
Em 1994, após a conquista nos EUA, os campeões receberam do presidente Itamar Franco meda­lhas do Mérito Esportivo. No Rio, a seleção foi aplaudida por uma multidão entusiasmada, aos gritos de “Ú-tererê”.

Na Cidade Maravi­lhosa, um proble­ma na Alfândega por pouco não cancelou o desfile: a vistoria de tone­ladas de compras dos jogadores e membros da delegação, in­cluindo geladeiras, computadores e outros objetos. Foi preciso uma ordem do ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, para liberar as bagagens, atropelando o se­cretário da Receita, Osiris Lopes Filho. Cinco caminhões foram usados para levar as compras da seleção.

Copa de 2002
No último Mundial vencido pelo Brasil, em 2002, após o triunfo na Copa do Japão e da Coreia do Sul, os heróis do penta chega­vam a Brasília no dia 2 de julho de 2002. Lá foram recebidos e condecorados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao lado do capitão Cafu, FHC chegou a beijar a taça, mas se limitou a dizer:

“Nosso povo gosta de competi­ção, não de guerra”.

E o Palácio do Planalto caiu num inédito samba. O técnico e os jogadores dançaram no parlatório do Planalto, com direito às cambalhotas de Vampeta ladeira abaixo na cobiçada rampa de acesso ao Palácio.

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