É frequente a afirmação de que um filho custa caro. Saúde, educação, roupas, entretenimento, é algo que onera a economia dos pais. Isso explica, ao menos em parte, a queda demográfica das últimas décadas. Quem tem juízo já não observa, com estrita fidelidade, ao mandamento “crescei e multiplicai-vos”. Hoje ele está inteiramente fora do contexto.
Todavia, é interessante observar como é que o fenômeno dos filhos tem sido encarado no decorrer da história. A socióloga Viviana Zelizer, professora da Universidade de Princeton, escreveu um livro interessante: “O preço da criança que não tem preço”. Entre 1870 e 1930, foi radical a mudança nos Estados Unidos em relação à infância.
Ela tem um ponto de vista instigante. Estudou aquilo que poderia ser chamado “evolução do preço” de uma criança. Três os critérios econômicos à disposição e plenamente mensuráveis: a) as sentenças dos Tribunais em caso de acidente com evento morte; b) os seguros de vida; c) o “mercado” de adoção. Este último, para nós, é proibido. Embora não seja raro possa ocorrer informalmente.
O que ela constatou: em 1870, a criança da zona rural trabalha desde os sete anos. O mesmo acontecia na Europa e, talvez, no Brasil do campo. Era apurável a sua utilidade econômica. Já em 1930, a criança não trabalha. A exceção é aquela que os pais levam para as fotos, para os “books”, para a TV ou às redes. O único trabalho que se reclama à criança é frequentar a escola. Perdeu o seu interesse econômico.
Conclusão: quando entra o amor materno/paterno, a criança deixa de ser um interesse econômico e passa até a ser um fardo, conforme alguns reclamam. Isso pode ser acompanhado por documentos. Antes de 1930, se a criança morresse acidentalmente, causada por alguém que se pudesse identificar, o Judiciário calculava a indenização exclusivamente em função da perda econômica. Não havia a ideia do “dano moral”, hoje inserto na Constituição da República.
Caso concreto: em 1896, os pais moveram processo contra a ferrovia da Geórgia, culpada – por negligência – da morte do filho de dois anos. O júri decidiu que não havia indenização, porque a criança não ganhava nada. Já em 1979, uma clínica foi condenada a ressarcir em 750 mil dólares pela morte de um garoto de três anos, ocorrida durante uma cirurgia.
Os juízes do século XIX achariam absurda essa quantia, já que alguém de três anos não trazia dinheiro para casa. O segundo critério, o do seguro de vida, praticamente desapareceu. Aparentemente, a ética o reprova, por considerar que a morte de um filho não tem preço e não pode ser objeto de contrato de seguro.
Já a terceira senda de pesquisa de Viviana Zelizer é o preço que os norte-americanos pagam para suprirem o amor parental que, biologicamente, não é possível. Aí, o cálculo é objetivo. Pode parecer ignóbil, mas entram no cálculo o DNA dos pais, a cor dos olhos e da pele, a aproximação a padrões estéticos impostos pelas mídias, idade etc.
Pais sabem que filho não tem preço. Mas uma sociedade mercantilista, consumista, egoísta e narcisista, encontra fórmulas de precificar tudo. Até aqueles produtos do amor, que propiciam aos humanos a co-participação na obra do Criador.