A primeira audiência de instrução do caso da mototaxista Luana Barbosa dos Reis, que morreu em 13 de abril de 2016, aos 34 anos, cinco dias depois de ser abordada por três policiais militares – ela levava o filho para um curso na noite do dia 8 –, foi marcada por protestos de movimentos negros e LGBT, na tarde desta quarta-feira, 18 de julho, no Fórum Estadual de Justiça de Ribeirão Preto.
A mototaxista morreu após sofrer isquemia cerebral e traumatismo craniano em decorrência de espancamento, como apontou o laudo do Instituto Médico Legal (IML). Familiares acusam os três PMs de terem agredido Luana depois dela ter solicitado ser revistada por uma policial feminina durante abordagem no Jardim Paiva. Ela foi levada para o Plantão Policial e liberada, mas morreu depois de horas.
O caso ganhou repercussão depois que a ONU Mulheres e o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos (ACNUDH) cobraram das autoridades brasileiras clareza na apuração dos fatos. Na época, as entidades internacionais afirmaram que a morte de Luana “é um caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil.”
Com cartazes e gritando palavras de ordem, como “Luana, presente”, os manifestantes ficaram em frente à entrada principal do Fórum Estadual, por onde passaram os familiares da mototaxista e os três policiais militares acusados de agredi-la. A audiência ocorreu na 1ª Vara do Júri e das Execuções Criminais. Deveriam ter sido ouvidas 26 testemunhas – seis de acusação e 20 de defesa, mas apenas cinco pessoas prestaram depoimento.
Irmã de Luana, a professora Roseli dos Reis disse esperar que a Justiça mantenha a acusação de homicídio qualificado, o que levaria os PMs a júri popular. O advogado assistente da acusação, Daniel Rondi, diz que no processo há elementos suficientes para que os militares sejam levados ao Tribunal do Júri. Já a defesa, representada por Maximiano Junqueira Neto, discorda e afirma que laudos dizem o contrário, que a mulher teria batido a prórpia cabeça várias vezes contra a viatura. Quer que a tipificação do crime seja lesão corporal seguida de morte. Nesse caso, a sentença é dada por um juiz.
O advogado Julio Mossin, que representa Douglas Luiz de Paula – policial militar aposentado – e André Donizete Camilo disse que ambos são inocentes. O advogado Paulo Maximiano Junqueira Neto, que defende o PM Fabio Donizeti Pultz, também afirmou que o cliente é inocente. Já a irmã de Luana estava revoltada. Ela disse que policiais armados e fardados, pagos para proteger a população, usaram os cargos “para matar, de forma covarde, uma mulher, negra, lésbica, da periferia, sozinha, desarmada, sem droga, sem nada, levando o filho para um curso”, disse ao entrar no prédio.
A imprensa de Ribeirão Preto não acompanhou a sessão da primeira audiência de instrução do caso Luana Barbosa dos Reis por determinação do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob alegação que a sala era pequena para receber os réus, as testemunhas e os jornalistas. Depuseram as duas irmãs da vítima, o filho dela e uma testemunha que morava no bairro. O médico legista do Instituto Médico Legal (IML), que constatou a morte de Luana por isquemia cerebral e traumatismo craniano em decorrência de espancamento também depôs.
A ausência de uma testemunha de defesa que não compareceu por problemas de saúde resultou na decisão do promotor Eliseu José Berardo Gonçalves ensejar nova convocação. A sessão foi suspensa depois de cinco horas, mas a nova data não foi estabelecida. Na entrada do Fórum de Justiça, a família de Luana foi barrada porque usava camisetas com os dizeres “Amor eterno, Justiça para Luana”. Segundo os policiais militares que faziam a segurança do local, a ordem partiu da direção da unidade. Os advogados resolveram o impasse.
A irmã dela chegou a acusar os policiais de racismo e homofobia, uma vez que Luana era negra e lésbica. A mesma afirmação foi feita pela ONU. Em um vídeo gravado logo após a abordagem, A mototaxista diz que foi ameaçada pelos PMs. Nas imagens, ela está sentada na calçada do Plantão Policial, visivelmente atordoada, com ferimentos no rosto, hematomas nos olhos e nas pernas.
Ela voltou para casa, mas começou a apresentar febre alta e acabou internada no Hospital das Clínicas. Morreu cinco dias depois, em 13 de abril, em decorrência de isquemia cerebral e traumatismo crânio-encefálico. O promotor Eliseu Berardo Gonçalves afirma que a mulher foi submetida a uma “sessão de tortura”, uma vez que o trio, “em superioridade numérica e de armas”, a impossibilitou de esboçar qualquer reação.
Em maio de 2016, o juiz Luiz Augusto Freire Teotônio determinou que a investigação fosse encaminhada à Justiça Militar de São Paulo (JMSP), uma vez que os suspeitos são PMs. Entretanto, o processo foi arquivado por falta de indícios de crime militar. O promotor pediu então que o inquérito voltasse à Justiça comum, o que aconteceu em janeiro do ano passado, após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A Polícia Civil reabriu a investigação, que foi concluída em 5 de abril desse ano.