Nicola Tornatore
Entidades empresariais e associações de classe de Ribeirão Preto estão preocupadas com o grande número de projetos apresentados na Câmara de Vereadores, aprovados e depois transformados em leis – mesmo quando vetados pelo Executivo – sem que os segmentos atingidos sejam ouvidos, consultados ou mesmo avisadoscom antecedência.
Desde o início da atual legislatura (2017-2020), leis que impactam o dia a dia das empresas têm sido aprovadas praticamente todos os meses, afetando segmentos dos mais diversos. Representantes de associações de classe se queixam de não serem ouvidos e às vezes nem mesmo comunicados de decisões que vão “mexer” na área financeira – ou seja, vão gerar custos não previstos ou programados, em meio a uma das mais graves crises da economia das últimas décadas.
O gestor de Inteligência Competitiva e Relações Institucionais da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp), Eduardo Molina, critica a rapidez com que projetos de lei são aprovados. “Às vezes, o projeto dá entrada em uma segunda-feira, tem o pedido de urgência aprovado na sessão de terça-feira e é votado já na quinta-feira”, diz. “Tudo isso sem que haja sequer tempo para os segmentos empresariais envolvidos manifestem sua posição”, completa.
Vários vereadores apresentaram projetos do tipo, mas um paramentar se destaca pelo grande número de iniciativas que impactam a rotina das empresas – Orlando Pesoti (PDT), atual vice-presidente da Câmara. Em entrevista, ele reconhece que o rito atual – aprovação da urgência em uma sessão e votação já na seguinte – não é o ideal. Segundo o pedetista, a Mesa Diretora estuda uma mudança no Regimento Interno (RI) para que um projeto em urgência especial vá à votação após duas sessões, e não mais na seguinte.
Em fevereiro de 2017, Pesoti apresentou o projeto de lei nº 08/17, tornando obrigatório aos estabelecimentos de hospedagem manter cópia do documento de identidade de todos os hóspedes. O projeto foi aprovado, o prefeito Duarte Nogueira Júnior (PSDB) vetou-o, a Câmara derrubou o veto e promulgou a lei. O prefeito baixou outro decreto determinando o não cumprimento da lei, sob o argumento de inconstitucionalidade, enquanto tramita, no Tribunal de Justiça de Sâo Paulo (TJ/SP), uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) para derrubar a lei nº 14.007.
Um mês depois, em março, o vereador pedetista apresentou o projeto nº 51/17, estabelecendo a obrigatoriedade da exibição de audiovisuais sobre a prevenção às drogas, álcool e tabagismo na abertura de shows, eventos artísticos (como peças de teatro), culturais e esportivos. Novamente, a Câmara aprovou, a prefeitura vetou, o veto foi derrubado pelo Legislativo e a lei promulgada (nº 14.013). O Executivo baixou decreto determinando o não cumprimento e ingressou no TJ/SP com outra Adin.
Em abril, o mesmo Orlando Pesoti, cuja profissão informada em sua página no site da Câmara é jornalista, apresentou projeto concedendo à categoria desconto de 50% nos valores dos ingressos de eventos culturais, esportivos, de lazer e de entretenimento. O projeto recebeu parecer contrário da Comissão de Justiça e Redação – a popular Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – e foi arquivado.
Se fosse aprovado, o valor do desconto seria naturalmente transferido para o valor do ingresso inteiro. Ou seja, o espectador comum pagaria para que os jornalistas tivessem ingressos subsidiados. Antes desse projeto, Pesoti havia conseguido aprovar outro que cria o “Dia do Jornalista Municipal”. No Brasil já existe o “Dia do Jornalista”, celebrado em 7 de abril, e os verdadeiros profissionais da área, inclusive, nunca entenderam a razão da criação da data.
Em maio, Pesoti apresentou o projeto de lei nº 101/17. A proposta obriga escolinhas de educação infantil e do ensino fundamental, públicas e privadas, a contratar, todo mês de janeiro, um engenheiro para a elaboração de laudo técnico sobre as condições de manutenção/conservação dos brinquedos do playground. O projeto foi aprovado e hoje é a lei nº 14.097.
Em agosto, apresentou o projeto de lei nº 225, estabelecendo a obrigatoriedade das imobiliárias manterem cadastro dos clientes que visitam imóveis para locação e venda, com fotos digitalizadas. O projeto segue tramitando. Na sequência, também em agosto, o vereador apresentou o projeto nº 226/17, que torna obrigatória a contratação de serviços de segurança especializada em eventos que precisem de alvará da prefeitura.
Realizado em local aberto ou fechado, em todo evento com mais de 200 pessoas a organização precisa contratar uma empresa devidamente registrada na Polícia Federal, com vigilantes que realizaram cursos de formação específica. Feiras, exposições, shows, festas, bailes, casas noturnas, circos e parques de diversões passaram a ser obrigados contratar ao menos dois seguranças, caso tenham público superior a 200 pessoas. A cada 200 pessoas, mais dois seguranças. Se o público for superior a três mil pessoas, só podem contratar quem tenha curso de extensão em grandes eventos. Quem descumprir a lei nº 14.072 receberá multa de R$ 5 mil.
Pesoti diz que se baseou, na elaboração do projeto, em relatório fornecido pela Associação das Empresas de Segurança Privada. Ou seja, quem indicou o número de trabalhadores (um para cada 100 pessoas) foi exatamente o segmento mais beneficiado com a nova lei.
Orlando Pesoti também conseguiu a aprovação de outro projeto de lei que impacta fortemente a promoção de eventos – nº 358/17. Apresentado em novembro, dispõe sobre a obrigatoriedade da existência de ambulância tipo UTI em eventos com mais de 1.200 pessoas. A cada dez mil pessoas, mais uma ambulância. Sancionado pelo prefeito Duarte Nogueira, a exigência já é lei.
Aliás, a organização de eventos também pode ser impactada por outro projeto de lei, este apresentado pelos vereadores Rodrigo Simões (PDT), Lincoln Fernandes (PDT) e Isaac Antunes (PR). A proposta nº 163/17, já aprovada, mas vetada pelo Executivo, teve o veto derrubado e acabou promulgada (lei nº 14.038).
Ainda é objeto de ação direta de inconstitucionalidade movida pela prefeitura. O projeto torna obrigatória a existência de brigadas profissionais, formada por bombeiros civis, em shopping centers, hipermercados, casas de shows e campi universitários. Para um público de 500 a mil pessoas, dois bombeiros civis, e mais um a cada 500 espectadores a mais.
Recentemente, a Câmara recebeu mais um projeto de lei com potencial para impactar os custos das empresas – apresentado por Rodrigo Simões, prevê a instalação de câmeras de monitoramento na área externa de supermercados e agências dos Correios. Mais um custo não programado. Contatado pela Acirp e pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), o parlamentar se dispôs a discutir possíveis alterações no projeto, que segue em tramitação.
Observatório Social pede mais debate
Márcio Minoro, presidente do Observatório Social de Ribeirão Peto, uma entidade sem fins lucrativos que atua em favor da transparência e da qualidade na aplicação dos recursos públicos, pede uma mudança na atual sistemática de elaboração de projetos de lei, tanto por parte do Legislativo quando do Executivo. “Muitas vezes um projeto de lei que afeta diretamente um segmento produtivo tramita e é aprovado na Câmara Municipal sem que os diferentes agentes envolvidos tenham tempo para manifestar sua posição” comenta.
Ele diz que não adianta apenas promover audiências públicas, sem a devida mobilização dos segmentos envolvidos. “Às vezes ocorre uma audiência pública apenas para cumprir tabela, para dizer que foi feita e que a lei foi cumprida, sem que haja antecipadamente um convite efetivo para que todos os atores apresentem os prós e contras”, destaca Minoro.
O representante do Observatório Social comenta ainda que a falta de diálogo não afeta apenas os segmentos produtivos ou empreendedores, mas a sociedade como um todo e até mesmo manifestações culturais tradicionais, como no caso de blocos carnavalescos que deixaram se desfilar este ano por causa da lei que exige um segurança privado para cada 100 pessoas.
Entidades elogiam quando há diálogo
As entidades empresariais não têm apenas críticas ao trabalho do Legislativo. A disposição para o diálogo demonstrada por alguns vereadores é elogiada por entidades como a Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) e a Associação Paulista de Supermercados (Apas). O assessor de Relações Institucionais da Acirp, Eduardo Molina, elogia a forma como está sendo elaborado o projeto de lei que regulamenta o uso e a ocupação do calçadão.
A discussão vem sendo coordenada pela vereadora Gláucia Berenice (PSDB), que preside a Comissão Especial de Estudos (CEE) do Calçadão.“A Gláucia montou um processo bastante participativo para criar um projeto que será oferecido ao Executivo, de regulamentação do calçadão, na CEE que trata do tema. Meses de conversa. Não sei se o Executivo acatará, mas ele foi feito ouvindo todo mundo, incluindo movimentos com visões antagônicas”, destaca Molina.
Já Nilton Cezar Gricki, diretor da Regional de Ribeirão Preto da Associação Paulista de Supermercados (Apas), comenta o projeto de lei apresentado por Rodrigo Simões (PDT), que torna obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento na área externa de supermercados. Na justificativa, o vereador destacou que muitos estabelecimentos possuem lotéricas e caixas eletrônicos.
“O projeto de lei que prevê as câmeras de monitoramento externo é bem intencionado, mas pode ser melhorado para contemplar realidades diferentes. A maioria dos supermercados é pequena e não tem caixas automáticos nem lotéricas. A Apas, em conjunto com a Acirp e outras entidades, procurou o autor e ele aceitou se reunir conosco para ouvir nossas considerações e a partir delas melhorar o projeto. Isso deve ser feito nos próximos dias”, explica Cezar Gricki.
Projetos atingem ônibus e bloco de carnaval
A lei nº 14.097, resultado do projeto nº 126/17, apresentado por Orlando Pesoti (PDT), pegou organizadores de eventos de surpresa e motivou o cancelamento de iniciativas como o “Bloco da Vila”, que planejava, no carnaval deste ano, seu quinto desfile pelas ruas do tradicional bairro da Vila Tibério, na Zona Oeste. O jornalista Fernando Braga, editor do Jornal da Vila e organizador do bloco, conta que, depois de não desfilar em 2017 por falta de patrocínio, neste ano comerciantes do bairro haviam se reunido e garantido o aporte financeiro necessário.
“O orçamento do desfile estava fechado em R$ 8 mil para pagar os músicos, o aluguel do equipamento de som, o carro de som que ia percorrer o trajeto entre as praças Coração de Maria e José Mortari e uma lona para cobrir a banda em caso de chuva. Pretendíamos pagar quatro seguranças, a R$ 100cada”, recorda Braga. Semanas antes do desfile, eles foram avisados pela Secretaria Municipal da Cultura das exigências legais para botar o bloco na rua – incluindo a novidade da lei 14.097.
“Avisaram que teríamos de contar com dois seguranças para cada 200 pessoas. Como nossa estimativa era de um público de cinco mil, teríamos de contratar 50 seguranças. Não tínhamos como bancar e cancelamos o desfile”, recorda Braga, lembrando que a Secretaria da Cultura também disse na ocasião que seria preciso alugar uma ambulância tipo UTI.
“Nem fomos ver o preço, não dava nem para os seguranças”, conta o organizador. O projeto de lei nº 358/17, apresentado em 30 de novembro por Pesoti, que dispõe sobre a obrigatoriedade da existência de ambulância tipo UTI em eventos com mais de 1.200 pessoas, foi sancionado pelo prefeito Duarte Nogueira Júnior (PSDB) em 18 de janeiro e hoje é a lei nº 14.123. Entre a aprovação do projeto na Câmara (30 de novembro) e a entrada em vigor (18 de janeiro deste ano) transcorreram menos de 50 dias.
Projeto pode implicar em reajuste na tarifa de ônibus
Uma proposta de emenda à Lei Orgânica do Município (LOM) apresentada por Alessandro Maraca (MDB),em 20 de março, pode impactar o valor da tarifa do transporte coletivo urbano de Ribeirão Preto. Atualmente, idosos com mais de 65 anos viajam de ônibus gratuitamente – e o vereador propõe a ampliação da passagem de graça para quem tem 60 anos ou mais.
A Constituição Federal de 1988 determina apenas uma gratuidade nos transportes coletivos urbanos: para maiores de 65 anos, prevista no artigo 230. Há, ainda, três legislações federais que concedem benefícios tarifários a carteiros, fiscais do trabalho e oficiais de Justiça Federal. Entretanto, como existe a abertura para que estados e municípios possam legislar sobre o assunto, atualmente são inúmeros os tipos de gratuidades, que variam de um local para o outro.
Em Ribeirão Preto, por exemplo, os estudantes não pagam a tarifa – e este é a única gratuidade ressarcida pela prefeitura. As demais (idosos, deficientes) são bancadas pelos próprios usuários. Quanto mais alta é a tarifa, mais passageiros o transporte coletivo perde (para concorrentes como mototáxi e mais recentemente o Uber e o Garupa). O Consórcio PróUrbano, concessionário do transporte coletivo urbano, é contra a proposta do vereador.
“O Consócio PróUrbano é radicalmente contra, pois quanto menos passageiros pagarem a tarifa, mais cara ela fica. Em Ribeirão Preto, com exceção dos estudantes, nenhuma outra gratuidade é ressarcida. Quem acaba pagando são os clientes através de uma tarifa mais cara”, informa através de nota.
Atualmente a proposta de emenda à Lei Orgânica aguarda a emissão de parecer por parte da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em entrevista, Alessandro Maraca destaca que não pediu urgência na tramitação e que pretende ouvir todas as partes envolvidas. Ele disse ainda que, caso fique comprovado que a ampliação da gratuidade impacta o valor da tarifa, vai desistir da proposta.
Falta de debate aumenta chance de erro, diz Acirp
Eduardo Molina, gestor de Inteligência Competitiva e Relações Institucionais da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp), respondeu aos questionamentos do Tribuna sobre o processo de elaboração de leis municipais.
Tribuna – A celeridade com que se aprovam projetos de lei na Câmara Municipal preocupa?
Eduardo Molina – Leis devem ser feitas para durar, por isso quando um projeto de lei, que pode afetar a vida das pessoas e empresas por décadas, é elaborado e aprovado sem o debate necessário a chance de errar é muito grande. O ideal é que houvesse um trâmite público, com a divulgação bem antecipada da agenda do trânsito e do debate nas comissões e também do debate final no plenário. Isso também deveria valer para as emendas.
Tribuna – É fato de que na maioria das vezes os segmentos empresariais afetados não são consultados?
Eduardo Molina – Quando há pouco tempo para o trâmite de uma lei toda a sociedade perde, não só os empresários. Por isso a antecedência e a transparência do processo legislativo é uma coisa muito importante para todos. O ideal é que quando um projeto estivesse em elaboração ou em tramitação, que o vereador proponente, ou a própria câmara por meio de suas comissões, fizessem um esforço para ouvir os setores atingidos, sejam eles beneficiados ou prejudicados pelo projeto.
Tribuna – O que a Acirpacha do cenário frequente atual da Câmara Municipal aprovar leis, o prefeito vetá-las, a Câmara derrubar o veto, promulgar a lei, o prefeito baixar decreto determinando o não cumprimento e ingressando com adin (ação direta de inconstitucionalidade). Isso não afeta a credibilidade do Legislativo?
Eduardo Molina – Pelo impacto que tem na sociedade, que precisa de segurança jurídica, o processo legislativo, seja oriundo da Câmara ou da Prefeitura, tem que primar pela qualidade. Leis inconstitucionais ou de difícil aplicação e cumprimento contribuem para o descrédito dos poderes e muitas vezes dificultam a vida das pessoas.
Tribuna – Algum projeto de lei específico tramitando na Câmara Municipalcausa preocupação à Acirp?
Eduardo Molina – Há vários projetos que estamos acompanhando, sendo que infelizmente alguns até já foram aprovados. Muitos criam novas obrigações para as empresas e/ou aumentam seus custos e isso tira competitividade. Um setor que tem sido muito atingido é o de realização de eventos. Acreditamos que podemos perder eventos para outras cidades, pois está ficando mais caro realizá-los aqui em função de algumas leis recentes. Também nos preocupa o Plano Diretor e suas Leis complementares, pois é fundamental que elas tenham qualidade técnica e apontem para uma Ribeirão Preto mais organizada e inovadora para que a vida das pessoas e a competitividade das empresas melhorem.