O projeto aprovado na Câmara de Ribeirão Preto, na última terça-feira, 26 de setembro, apesar de apresentado como um instrumento contra a “erotização da infância”, pode camuflar artigos para opor resistência à implantação da educação sexual nas escolas do município. Além de tentar barrar os avanços do Ministério da Educação (MEC) no sentido de oferecer aos estudantes a devida orientação antes do início da vida sexual, avança sobre o caráter laico das instituições, abrindo brecha para que os pais exijam que seus filhos sejam educados de acordo com suas convicções religiosas.
Nesta quarta-feira, dia 27, o diretor estadual do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Fábio Sardinha, publicou em seu blog um desabafo sobre as consequências supostamente maléficas do projeto proposto por Gláucia Berenice (PSDB) e aprovado pelo Legislativo. “A autora estabelece diretrizes para uma infância sem pornografia, algo que no mérito não temos discordância, o problema são artigos dentro do projeto que engessam os professores na sua atribuição de lecionar, além de tentar impor um modelo de educação com teor medieval no que se refere a temática sexualidade”, analisa.
O diretor da Apeoesp destaca o parágrafo 1º do artigo 2º, que diz: “Os pais e responsáveis têm o direito que seus filhos menores recebam educação moral e religiosa que esteja de acordo com suas convicções”. Sardinha alerta para a complexidade dessa temática em sala de aula. “Como o Estado é laico e a educação religiosa é optativa, através desse artigo os pais podem compreender que têm o direito de exigir do professor em sala que transmitam um conhecimento que seja uma extensão de sua fé professada na esfera privada”, explica.
O projeto foi aprovado com 22 votos favoráveis e apenas três contrários. Jorge Parada (PT) passou quase 15 minutos na tribuna tentando mostrar para seus pares que o projeto, além de claramente inconstitucional, por tratar de um assunto afeito ao governo federal, é quase fundamentalista, ao dar aos pais o direito de escolher o tipo de “educação moral e religiosa” que o filho deve receber na escola pública, um espaço laico.
Na realidade, o polêmico parágrafo 1º do artigo 2º é uma cópia na íntegra do parágrafo 4 do artigo 12 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, aprovada há mais de meio século, em 1969. Trata-se de uma convenção, ou seja, não é uma lei, mas apenas uma recomendação, uma indicação, feita há quase seis décadas. E a Câmara quer transformar essa indicação da década de 1960 do século passado em lei municipal em pleno ano de 2017, com o mote de “proteger a família”, como discursaram na tribuna alguns vereadores.
E além do caráter religioso, que nada tem a ver com a proposta de “infância sem pornografia”, o projeto investe pesado contra a educação sexual nas escolas, ao exigir que os professores apresentem previamente aos pais “o material pedagógico, cartilha ou folder que pretendem apresentar ou ministrar em aula”. “O referido artigo engessa o trabalho do professor em sala de aula”, resume o diretor da Apeoesp Fábio Sardinha.
Um dos três votos contrários ao projeto que tenta retroagir a educação em Ribeirão Preto aos tempos da Idade Média, o vereador Luciano Mega (PDT) discursou na tribuna explicando a razão de seu voto e se mostrou surpreso com a preocupação do texto com a questão da sexualidade. Mega destacou o que poucos vereadores perceberam – o projeto finge se preocupar com a “pornografia na infância”, o que é crime de pedofilia, previsto no Código Criminal e combatido intensamente pelo Poder Público, enquanto na verdade abre brechas para que o obscurantismo ganhe espaço nas escolas públicas municipais.
Como, após a aprovação por 22 votos a três, o projeto recebeu emenda da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que apenas adequa o texto do ponto de vista jurídico, sem fazer nenhuma alteração significativa. A proposta deve voltar à votação na sessão desta quinta-feira, dia 28. A autora Gláucia Berenice é do mesmo PSDB do prefeito Duarte Nogueira Júnior. Questionada pelo Tribuna, a Coordenadoria de Comunicação Social informou que “a administração municipal reafirma seu respeito à decisão da Câmara e informa que aguarda o recebimento do autógrafo, com o texto integral da lei, para as análises técnica e jurídica. Só depois definirá qual medida adotar”.