Tribuna Ribeirão
Cultura

Programas sem auditório

Por Danilo Casaletti, especial para o Estadão

“Ninguém faz um programa sem sentir o calor do público. Como diria o Chacrinha, ‘quem não se comunica se trumbica’. E está todo mundo se trumbicando sem público.” Quem faz a análise sobre o momento de auditórios vazios na televisão é uma autoridade no assunto: Gonçalo Roque, 83 anos, que há mais de 50 trabalha comandando a massa em programas de TV de comunicadores como Silvio Santos e Chacrinha (1917-1988). “Estou com saudade daquelas fãs que iam ao programa me abraçar. Hoje, só abraço a tristeza”, completa o diretor de auditório, que comanda uma equipe de 18 funcionários, responsável por organizar caravanas e animar a as plateias do SBT, onde trabalha há quase 40 anos. Em todas as emissoras, os tempos são de protocolos de segurança, distanciamento social e muita cautela na retomada de produções. Com plateias virtuais e conteúdos novos e adaptados, elas tentam substituir o “calor” que Roque aponta como essencial.

O patrão, como Roque chama Silvio Santos, só volta a gravar, segundo a assessoria de imprensa do SBT, quando a pandemia acabar ou houver uma vacina disponível. Por enquanto, seu programa, vice-líder de audiência dos domingos à noite, apresenta sucessivas reprises desde meados de abril, quando o estoque de edições inéditas acabou.

A apresentadora Eliana, uma das atrações importantes nos domingos da emissora, voltou ao batente em junho – com adaptações. Um dos trunfos foi adiantar a estreia da terceira temporada do quadro Minha Mulher É Quem Manda, no qual maridos ficam em uma cozinha e as esposa, em uma sala distante, dando ordens para o passo a passo da receita, ou seja, algo sem muito contato entre participantes. Eliana, que este ano completa quinze anos à frente de programas de auditório, relata a sensação de não ter o público por perto. “O silêncio e um vazio tomaram conta do estúdio, mas busquei energia nas lentes das câmeras, imaginando meu público de casa. Aos poucos, tudo foi fluindo e deu certo”, diz.

Depois de duas semanas de gravação, a apresentadora testou positivo para a covid e teve de interromper tudo novamente. “Por estar assintomática, só pensava nas pessoas que estiveram comigo e na minha família. Felizmente, ninguém foi infectado. Recuperada, não pensei em recuar. Amo meu ofício”, diz Eliana, que, após o isolamento, retomou os trabalhos.

Outro nome importante dos domingos, Fausto Silva voltou aos estúdios da Globo São Paulo nesta semana para gravar o programa que será exibido no domingo, dia 23, – depois de 5 meses apresentando de casa. No palco, um número de bailarinas reduzido e a participação da dupla sertaneja Zé Neto & Cristiano. A plateia será virtual.

Quem já está habituado com o público interagindo de casa nesse novo normal é Luciano Huck. Depois de mesclar reprises, quadros gravados antes da pandemia e conteúdo feito em casa – com a ajuda dos filhos Joaquim, Benício e Eva -, o apresentador decidiu voltar às gravações do Caldeirão do Huck no início de julho.

“Retornar ao estúdio está sendo uma experiência de sentimentos misturados. De um lado, materializar que de alguma forma a vida está tentando voltar ao normal. Por outro, a confirmação inequívoca de que o normal de hoje não é mais o normal de ontem, a vida mudou”, diz Huck, por e-mail.

Huck foi o primeiro na emissora a contar com uma plateia virtual A tecnologia permitiu que ele voltasse com novas edições de um dos quadros do programa, o Quem Quer Ser um Milionário. No palco, apenas ele e o candidato ao prêmio, separados por uma divisória de acrílico, mas com a possibilidade de pedir a ajuda a quem está em casa.

Na Globo, antes do Caldeirão, o Encontro, apresentado por Fátima Bernardes, já havia voltado a ser produzido no dia 20 de julho. Nele, o sofá virou virtual, com convidados interagindo por meio de videochamadas. As atrações musicais também são feitas dessa maneira – já se apresentaram cantores como Gilberto Gil, Alcione e Elba Ramalho. O Conversa com Bial, que tinha um pequeno auditório, estreou nova temporada em maio, mas com o jornalista Pedro Bial fazendo as entrevistas de sua casa. Para outubro, a emissora promete voltar com The Voice Brasil, com candidatos e jurados no palco, mas sem o auditório para dar aquela ajuda aos calouros na hora da virada das cadeiras.

Serginho Groisman, de 70 anos, apresentador do Altas Horas, diz que os papos virtuais vieram para somar no semanal, que, no começo da pandemia, apresentou reprises e, posteriormente, passou a ser comandado da casa do apresentador, com conteúdo inédito.

“Conversamos com personalidades que teríamos dificuldade de levar ao estúdio, como o William Bonner e a Renata Vasconcellos”, diz. Novos quadros que marcariam os 20 anos da atração foram antecipados. “Já havíamos planejado um novo conteúdo antes da pandemia, no estúdio. O que aconteceu é que nos adaptamos e estamos produzindo esse material a distância.”

Na Record TV, o matinal Hoje em Dia, cerca de um mês antes de a pandemia chegar ao País, havia estreado um novo cenário, com espaço para receber o público. “Com o auditório, a resposta fica mais real. O programa ganhou muito. Pena que tivemos que parar de receber as pessoas”, diz Ticiane Pinheiro, uma das apresentadoras. “Me arrumava mais rápido para entrar no estúdio antes e conversar com as pessoas. Muitas senhoras idosas procuram os programas de auditório. Uma das motivações para encarar o medo de continuar a trabalhar no meio da pandemia foi pensar nelas, que se distraem assistindo ao programa”, diz.

“O comediante é um garoto de programa se vendendo por piada o tempo todo. Com a plateia rindo, você sente que está agradando, que está no caminho certo. Ter ela ali, viva, pulsante, é algo que eu gosto”. É dessa maneira que o apresentador Fábio Porchat define sua relação com o público, criada no teatro e que, posteriormente, migrou para a televisão. Primeiramente no Programa do Porchat, talk show que ele apresentou na Record TV entre 2016 e 2018, e, desde agosto do ano passado, no Que História É Essa, Porchat?, projeto de sucesso que ele apresenta no canal GNT.

Com um cenário original em formato de arena, que colocava apresentador e convidados no centro da plateia, o programa tinha participação ativa do público que, a exemplo do apresentador e convidados, expunha suas histórias. “Criei esse programa porque gosto de me enfiar no meio das pessoas.”

Por conta da pandemia, a segunda temporada, iniciada em março, foi interrompida depois de quatro programas. As gravações voltaram há pouco tempo e, desde o dia 4 de agosto, novos episódios são apresentados, duas vezes por semana. “Quando a gente viu que a pandemia não iria passar a curto prazo, pensamos em outro formato. Fizemos dois testes, assistimos para ver se fazia sentido, se a essência ainda estava lá”, diz. Teste aprovados, o programa ganhou 17 novos episódios. Agora, ele está sozinho no palco. A plateia continua a participar, mas de forma virtual, assim como os convidados. “Me desapeguei um pouco da plateia. Tenho que prestar atenção se a piada funciona, para onde tenho que ir. Percebi que não posso fazer comentários curtos.

Precisa ser algo mais elaborado para não prejudicar essa comunicação virtual”, completa Porchat, lamentando o delay e os picotes no som, inevitáveis nas conversas por vídeo via internet Em outubro, programas da primeira temporada serão exibidos na Globo.

O diretor de conteúdo do Multishow Christian Machado – o canal retomou nesta semana as gravações dos programas Vai que Cola e Lady Night – concorda que a plateia em um programa de humor é essencial para quem está no palco. “Todo apresentador ou comediante joga com o público, e a reação é um termômetro em tempo real do que está funcionando”, diz Machado. O Lady Night, comandado por Tatá Werneck, terá telespectadores virtuais que vão interagir com a apresentadora.

Já no sitcom Vai que Cola, que conta com um elenco maior – entre os atores, estão nomes como Paulo Gustavo, Marcus Majella, Samantha Schmütz e Cacau Protásio -, as gravações da oitava temporada, que começariam em junho, só tiveram início no último dia 17: serão 40 novos episódios com previsão para ir ao ar a partir do fim de novembro. O público será substituído por 230 totens na plateia.

No SBT, o humorístico A Praça É Nossa, comandado por Carlos Alberto de Nóbrega, 84 anos, no ar desde 1987 no canal, segue no ar com reprises e sem previsão de volta. Nóbrega grava as chamadas dos quadros de seu sítio, no interior de São Paulo. Nas redes sociais, ele pede que os telespectadores mandem sugestões sobre o que gostariam de rever. Nóbrega promete que a pessoa cujo pedido for selecionado estará nas gravações do programa assim que tudo voltar ao normal.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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