Por: Adalberto Luque
“Comecei a trabalhar como vendedor de livros, ou livreiro, em 1982. Era uma área de vendas bastante concorrida, tinha profissionais que já eram conhecidos há muitos anos. Como tinha muitos concorrentes onde moro, Ribeirão Preto, logo de início passei a trabalhar em cidades na região de Serra Negra, que tem clima ameno. E foi lá que construí minha vida”, lembra José Renato Dias.

Vender livros lhe proporcionou comprar sua casa própria logo ao se casar. Comprou carro, sempre mantendo um modelo novo – pois roda bastante todos os anos. Educou seu filho, fez suas viagens. “Devo minha vida ao livro”.
Até hoje, Dias percorre escolas e residências naquela região. Sai de Ribeirão Preto às segundas-feiras e volta às sextas-feiras. As vendas já não são mais como antes, é verdade, com livros e enciclopédias digitais.
“Tinha colegas que só vendiam enciclopédias. Os ‘barsas’ [numa alusão à enciclopédia Barsa, tradicional por muitas décadas]. Hoje a coisa está escassa. Quase não se vende enciclopédia.”
A Barsa foi idealizada em 1959 por Dorita Barrett, herdeira da família detentora da Enciclopédia Britânica. A primeira enciclopédia brasileira, desenvolvida, entre outros, pelo enciclopedista Antônio Houaiss, escritor Jorge Amado, arquiteto Oscar Niemeyer e jornalista Antônio Callado.
“Eu ainda sigo em frente, porque tenho clientes de muitas décadas. São 43 anos de uma vida dedicada ao livro. Poucos ainda seguem como eu. Mas continuo, até quando Deus quiser. O livro me proporcionou tudo na vida”, conclui Dias.
Olhando para trás
De acordo com o Relatório sobre o Futuro dos Empregos 2025, produzido pelo Fórum Econômico Mundial e divulgado em 8 de janeiro deste ano, em Genebra, Suíça, as mudanças no mercado de trabalho mundial vão atingir 22% dos empregos até 2030. Pelo menos 92 milhões de pessoas pelo planeta vão perder os seus atuais empregos – muitos dos quais serão totalmente extintos.
Esse estudo leva em consideração o crescimento exponencial da Inteligência Artificial (IA) no mercado de trabalho. Mas, por mais alarmante que isso possa parecer, não é algo novo no mercado de trabalho. Assim como o vendedor de livros ou livreiro, onde Dias resiste bravamente, mas muitos já deixaram de exercê-la, profissões até então tidas como intocáveis já não existem há muito tempo.
Isso ocorreu porque a tecnologia avançou ao longo dos anos e as necessidades de consumo da sociedade se transformaram. Profissões criadas às vésperas da informatização no mercado de trabalho já se tornaram obsoletas ou extintas.
Basta imaginar, por exemplo, quem fabricava disquetes que armazenavam informações dos primeiros computadores pessoais. As mídias evoluíram e o disquete, assim como o CD que substituiu aos discos de vinil, já caíram em desuso. Antes destas carreiras, até então promissoras, outras já haviam desaparecido por completo. Vejamos algumas.
Leiteiro
Para as novas gerações, fica difícil imaginar que, nos anos 1950, boa parte das casas recebia, durante a madrugada, a garrafa de leite e um embrulho com a chamada “bengala”, uma espécie de baguete de pão francês. Diariamente isso era deixado nas portas das casas pelo leiteiro.
Há relatos de que a cobrança das contas familiares era feita da mesma forma. No dia combinado, o leiteiro deixava o leite e o pão e apanhava o dinheiro da conta do mês que a família deixava na véspera.
Por mais incrível que possa parecer, não era comum relatos de furtos dos gêneros alimentícios, nem do dinheiro deixado para saldar as dívidas. Como dizem os mais antigos, não era preciso assinar uma nota promissória. Bastava o fio do bigode para dar garantia de pagamento.
Datilografia
Até os anos 1980, as escolas de datilografia se espalhavam pelas cidades. Ter o curso completo de datilografia era requisito básico para os jovens que queriam ingressar no mercado de trabalho atuando em um escritório.
Para os rapazes, o começo era como “office-boy”, o garoto que pagava as contas, de banco em banco, percorrendo o trajeto a pé, em ônibus ou até em bicicleta. Já as moças sonhavam em começar como auxiliares de escritório, mas muitas começavam mesmo como recepcionistas.
Em comum para crescer na empresa, homens e mulheres precisavam ter datilografia – com pelo menos 80 palavras por minuto. E havia o cargo de datilógrafo, profissional responsável por escrever textos, cartas e documentos na máquina de escrever. As pesadas máquinas de datilografia foram substituídas por dispositivos mais leves e rápidos, acabando com a datilografia e a função de datilógrafo.
Lanterninha de cinema
Quando as salas de cinema mais procuradas ficavam nas ruas das cidades e não nos shoppings, uma figura era fundamental para guiar os que se atrasavam para o início do filme – ou para quem queria sair no meio para ir ao banheiro: o Lanterninha. O profissional guiava as pessoas no escuro e em segurança. Também evitava que beijos e abraços atingissem temperaturas impróprias para uma sala de projeção. Luzes de emergência extinguiram a necessidade deste profissional.
Ator/Atriz de rádio
Ribeirão Preto sempre formou grandes nomes do radiojornalismo. Pedro Evaristo Schiavon (o Porto Alegre), Corauci Neto, João Gilberto Bola Branca, Welson Gasparini, José Wilson Tony, entre outros, marcaram época. Mas havia também os atores e atrizes de rádio, que habitavam o imaginário popular. As radionovelas perderam espaço para as telenovelas e, quem não fez a migração, acabou em uma profissão extinta.
Muitas outras
Telefonista, linotipista, engraxate, operador de mimeógrafo, arquivista, mensageiro, técnico de laboratório fotográfico (que ampliava fotos a partir de negativos de filmes fotográficos), acendedor de poste, gravador de chapa para impressão gráfica, técnico de acabamento gráfico, “past-up” (profissional que colava tiras para diagramar impressos), cobrador de ônibus. Várias carreiras já deixaram de existir antes mesmo da ameaça da IA.
Em risco
Isso não significa que, com a IA, não haja risco. Um dos profissionais mais ameaçados são os de Call Center. Área de atuação criada às vésperas da virada do século para acompanhar pós-venda ou atendimento ao cliente, deve ser uma das primeiras atingidas. Hoje o atendimento já é feito por IA em grande parte das ligações telefônicas.
Operador de caixa, atendente de loja, leitor de medidores, atendente de agência bancária são carreiras que estão em risco e, se não houver uma preparação ou reciclagem por parte destes profissionais, é possível que não consigam seguir na área.
Em contrapartida, de acordo com o Relatório sobre o Futuro dos Empregos 2025, do Fórum Econômico Mundial, apesar da previsão de extinção de 92 milhões de postos de trabalho atuais até 2030, 170 milhões de novas funções devem ser criadas, gerando um saldo positivo de 78 milhões de empregos impulsionados pelo avanço tecnológico.
Além de empregos em tecnologia, dados e IA, espera-se crescimento em funções básicas. Motoristas de entrega, cuidadores, educadores e trabalhadores rurais seguem em alta, de acordo com o Fórum.
“As habilidades que crescerão mais rapidamente até 2030 incluirão habilidades tecnológicas juntamente com habilidades humanas, como habilidades cognitivas e colaboração. É necessária uma ação coletiva urgente entre os setores público, privado e educação para lidar com o aumento das lacunas de habilidades”, conclui o estudo.
De uma hora para outra
“Meu pai Cláudio de Souza Araújo foi um dos maiores profissionais de máquinas heliográficas do Brasil. Durante quase 30 anos ele viajou por diversas cidades e estados brasileiros. Também esteve em outros países. Era um profissional muito conceituado”, lembra o autônomo Américo de Souza Araújo.

A heliografia é um processo de reprodução de documentos que utiliza fonte de luz artificial para criar cópias em papel especial. Este método foi amplamente utilizado em gráficas para a reprodução de plantas arquitetônicas, mapas e outros documentos técnicos que requerem alta precisão e durabilidade, com ampliações bem além das tradicionais feitas em fotocopiadoras.
“Cláudio viajou por diversos países. A vida inteira do meu pai foi dedicada às máquinas heliográficas”, lembra.
Segundo Araújo, o declínio na carreira veio na década de 1990, quando ele já estava prestes a se aposentar. E ganhou contornos de drama quando um programa de computador praticamente tornou desnecessária a tecnologia fina da heliografia.
“A empresa onde meu pai trabalhou por décadas acabou fechando as portas. Ele perdeu o emprego. Profissionalmente nunca mais se acertou. De um dos maiores profissionais do setor se viu morando numa cidade de interior, depois de ter percorrido o mundo. Acabou tendo um efeito devastador, levando ao alcoolismo, câncer, até que ele faleceu.”
Morreu três meses após ser diagnosticado com um câncer na garganta, em 2005. “A vida do meu pai nos ensina que o tempo foi implacável. Sua história é um lembrete de que, mesmo diante das transformações tecnológicas e das adversidades pessoais, os valores humanos como o amor, a dedicação e a paixão permanecem eternos. Que a memória de meu pai sirva de inspiração para que possamos valorizar cada momento, cada conquista, cada sorriso, pois no fim, o que realmente fica são as lembranças e a saudade daqueles que um dia tocaram nossas vidas”, conclui.