Everton Sylvestre
Especial para o Estadão
O anúncio de que Serrana vai fazer parte de estudo inédito para vacinar contra a covid-19 todos os moradores adultos, exceto grávidas e lactantes, mudou a rotina do município do interior paulista, de cerca de 45.844 habitantes, distante 24 quilômetros de Ribeirão Preto e a 314,9 quilômetros da capital.
Grande parte já está ansiosa por receber as doses do imunizante, mas alguns ainda relatam receio em participar da pesquisa. Ao mesmo tempo, imobiliárias já veem aumento de interessados em alugar casas na cidade. A expectativa é de que 30 mil sejam vacinados, voluntariamente, a partir de 17 de fevereiro.
Serrana funciona como dormitório para aproximadamente 20 mil pessoas que trabalham em Ribeirão Preto e teve alto índice de infecções – 2.401 casos confirmados e 57 mortes. A professora aposentada Maria Elisa Valeriano, de 76 anos, diz que pretende tomar a vacina na primeira oportunidade. “Deus do céu, não tenho nem dúvida”, diz ela, cuja filha e genro estão isolados agora após serem contaminados.
A auxiliar de produção Maria José Torteli, de 41 anos, também comemora. Como a cidade foi dividida em quatro setores, ela já sabe que seu bairro está no último, em que a vacinação começa em 10 de março. A filha Valentina, de 2 anos, não será imunizada, mas é a principal preocupação dela e do marido. Ao se vacinar, o casal – que evita sair de casa desde o início da pandemia da covid-19 – espera proteger mais a filha, que tem asma.
Já outros dizem não ter decidido se vão participar, como o soldador Claudinei Aparecido, de 41 anos. “Vou pela minha cabeça, não pela dos outros.” A Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac, passou por testes de eficácia e segurança, com 12,5 mil voluntários, e tem autorização de uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Mesmo com medinho, pretendo tomar”, diz a estudante Elaine de Souza, de 18 anos. Ela recebe mensagens por WhatsApp que colocam em xeque as vacinas, mas acredita que esse discurso vem perdendo força. Nas imobiliárias, o telefone não para de tocar. Moradores de cidades vizinhas, da capital e de outros Estados tentam alugar casa em Serrana na esperança de também serem vacinados primeiro.
As assistentes administrativas Marcela Amaral, de 27 anos, e Priscila Silva, de 37, contaram ontem mais de 50 ligações. “Há pessoas que propõem pagar um ano para manter o imóvel alugado por um mês”, diz Marcela. Ambas pretendem se vacinar. Segundo ela, alguns abrem o jogo durante a conversa.
“A procura é principalmente por imóveis baratos e simples. Em alguns casos, (os imóveis) não comportam o tanto de moradores que a pessoa diz que compõe a família”, relata. Ela já até elaborou um informativo padrão em que orienta ser necessário fiador, permanecer no imóvel por doze meses e que a prefeitura vai fazer cruzamento de dados antes de aplicar a vacina.
Segundo a prefeitura, a estratégia de mudar às pressas não vai adiantar – o Butantan já iniciou no semestre passado o cadastro de moradores e um mapeamento de Serrana. O instituto já desenvolvia o estudo na cidade desde meados de 2020. Até o início da semana, o projeto era denominado “Projeto S, de Secreto”; agora passar a ser “Projeto S, de Serrana”.
A vice-prefeita e secretária de Saúde, Leila Gusmão, diz que as vacinas usadas nesse trabalho não interferem no número de doses distribuídas pelo instituto ao ministério. Para a gestão municipal, a imunização acelerada também encurta o caminho para a retomada econômica.
Segundo o Butantan, Serrana foi escolhida por ter alta prevalência do vírus. Para isso a cidade, foi dividida em 25 subáreas, que formarão quatro grandes grupos populacionais – denominados clusters –, cada qual identificado com uma cor distinta – verde, amarelo, azul e branco. Também não poderá tomar a vacina quem teve febre nas 72 horas anteriores. O estudo fará as comparações entre os clusters, antes e depois da vacinação.