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Processo pode voltar à estaca zero em MG

WASHINGTON ALVES/REUTERS

Passados exatos três anos da tragédia em Brumadinho (MG), a tramitação do pro­cesso criminal pode voltar à estaca zero depois que o Superior Tribunal de Justi­ça (STJ) considerou, mais de uma vez, que a Justiça esta­dual não tem competência para analisar o caso.

O processo seria assim fe­deralizado, o que ainda será analisado pelo Supremo Tri­bunal Federal (STF). Se a de­cisão for mantida, atos pro­cessuais já realizados serão anulados. A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingi­dos (Avabrum) tem manifesta­do receio de que ninguém seja responsabilizado pelo rompi­mento da barragem.

Na segunda-feira, 24 de janeiro, Brumadinho assistiu uma carreata por justiça e contra a impunidade. Nesta terça-feira (25), ocorreu, na entrada da cidade, um ato em memória dos parentes de pessoas que morreram na tragédia. O site da entidade mantém no ar uma nota con­tra a posição do STJ.

“O crime aconteceu aqui em terras mineiras e não há motivo para a federalização do processo. Os responsáveis por esse crime odioso querem es­colher quem vai julgá-los e isso é inaceitável. Não cabe ao réu escolher o foro de seu julga­mento”, diz o texto divulgado pela Avabrum.

Três anos
A tragédia de Brumadi­nho ocorreu em 25 de janei­ro de 2019, quando a rup­tura de uma barragem da mineradora Vale deixou 270 mortos e provocou degra­dação ambiental em diver­sos municípios mineiros. A Avabrum contabiliza 272 óbitos levando em conta os bebês de duas mulheres que estavam grávidas.

Histórico
O processo que tramitava na Justiça estadual teve início em fevereiro de 2020, quando foi aceita a denúncia oferecida pelo Ministério Público de Mi­nas Gerais (MPMG). Foram responsabilizadas 16 pessoas, sendo onze funcionários da Vale e cinco da Tüv Süd, con­sultoria alemã que assinou o laudo de estabilidade da estru­tura que se rompeu.

Tornadas réus, elas res­pondiam por homicídio do­loso e diferentes crimes am­bientais. As duas empresas também eram julgadas. Dian­te da complexidade do caso, a tramitação do processo se­guia um ritmo lento. Apenas em setembro do ano passado havia sido finalmente aberto prazo para que os réus apre­sentassem suas defesas.

Noventa dias
Como a denúncia é exten­sa, a juíza Renata Nascimento Borges deu a eles 90 dias. Ela também havia concordado que os espólios de 36 vítimas atu­assem como assistentes da acu­sação do MPMG. No entanto, após um ano e oito meses de tramitação, esse processo per­deu a validade em outubro de 2021, quando os cinco inte­grantes da sexta turma do STJ entenderam, de forma unâni­me, que o caso não é da com­petência da Justiça estadual.

Eles consideraram que o julgamento deveria ser federa­lizado por envolver acusação de declarações falsas prestadas a órgão federal, descumpri­mento da Política Nacional de Barragens e por possíveis da­nos a sítios arqueológicos, que são patrimônios da União.

Habeas corpus
O julgamento no STJ se deu a partir de um habeas cor­pus apresentado pela defesa do ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, que era um dos réus. A tese de incompetência da Justiça estadual foi aceita mesmo sob discordância do Ministério Público Federal (MPF), que se alinhou ao en­tendimento do MPMG.

“Não há descrição de crime federal, não há crime federal, não há bem jurídico da União atingido aqui na denúncia”, disse no julgamento a subpro­curadora-geral da República, Luiza Frischeisen. O mesmo STJ já havia, em junho de 2020, julgado um conflito de compe­tência e mantido o processo na esfera estadual.

Na época, os integrantes da terceira sessão negaram, por sete votos a um, outro pedido que havia sido formulado pela defesa de Fábio Schvartsman. Entre os ministros que partici­param de ambos os julgamen­tos, dois mudaram de opinião: Laurita Vaz e Rogerio Schietti Cruz, que votaram em 2020 por manter o caso na Justiça estadu­al, concordaram no ano passado em remetê-lo à Justiça federal.

Ministério Público
O MPMG ainda tenta re­verter a decisão, mas seu pri­meiro movimento não foi bem sucedido, já que o STJ não re­considerou seu posicionamen­to e confirmou a federalização do caso. Diante da situação, foi apresentado recurso ao STF, que ainda não marcou data para analisar a questão.

Caso a federalização seja confirmada, o MPMG ficaria sem poder atuar no caso. Esse papel agora caberia ao MPF e o processo recomeçaria do zero. Os acusados na esfera estadual perderiam a condição de réus e uma nova denúncia precisaria ser apresentada.

Mariana
Além de lamentar o atraso no processo causado por essa si­tuação, os atingidos também te­mem que o caso tenha, na Justi­ça federal, o mesmo tratamento do processo envolvendo a tra­gédia em Mariana (MG) ocor­rido em novembro de 2015.

No episódio, o rompimen­to de uma barragem da mi­neradora Samarco deixou 19 mortos, destruiu comunidades e causou impactos socioeco­nômicos e ambientais em de­zenas de municípios da bacia do Rio Doce. Passados sete anos, ninguém foi condenado.

A maioria dos 22 denuncia­dos pelo MPF foram excluídos do processo por decisão judicial e apenas sete nomes ainda figu­ram como réus. Nenhum deles, no entanto, responde mais pelos crimes de homicídio e lesões corporais. O julgamento pros­segue apenas para os crimes de inundação qualificada e desa­bamento tipificados no Código Penal e por mais doze crimes previstos no Código Ambiental.

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