Tribuna Ribeirão
Cultura

Primeiro álbum de Céu só como intérprete tem um tom intimista

Por Danilo Casaletti, especial para AE

Quando Céu canta os primeiros versos de Ao Romper da Aurora, samba de Ismael Silva, Lamartine Babo e Francisco Alves, da década de 1930, que abre seu novo álbum, Um Gosto de Sol, ela traz consigo uma porção de gente e sentimentos.

Primeiro, porque a canção foi uma sugestão de seu pai, o maestro Edgard Poças – ele foi amigo de Ismael -, que, ao lado dela, do produtor Pupillo, marido de Céu, e do diretor artístico Marcus Preto, foi o responsável por formatar o repertório deste que é o primeiro disco totalmente de intérprete da cantora paulistana. Por aí, então, se vê o afeto envolvido no projeto.

Soma-se a isso o fato de o samba escolhido estar injustamente esquecido. Logo ele que tem versos como “Chega o dia/ desaparece a tristeza/ fica a alegria/ pela própria natureza”. Um canto de confiança no que está por vir em sua mais pura essência – e inocência.

Por fim, ainda sobre Ao Romper da Aurora, é preciso destacar que o violão sete cordas que se ouve junto à voz de Céu, e que faz a cama para o sentimento da cantora fluir, foi tocado por Andreas Kisser. Sim, o guitarrista e líder do Sepultura, uma das bandas de metal mais famosas do mundo. O músico entrou para a banda de base do álbum e tocou em todas as 14 faixas o instrumento que ele aprendeu para participar do projeto. O convite a Kisser foi motivado depois que Céu e Pupillo o viram, em um vídeo postado nas redes sociais, tocando cavaquinho com o filho.

MOMENTO INTROSPECTIVO. Um turbilhão de sentimentos fez com que Céu vivesse um momento mais introspectivo que a levou a optar por dar voz a canções que ela não escreveu, depois de cinco álbuns de estúdio e um ao vivo, nos quais cantou um repertório autoral, embora, por vezes, nomes como Caetano Veloso, Jorge Benjor, João Bosco e Aldir Blanc e Nelson Cavaquinho ganhassem espaço.

“Esse tempo foi uma lupa para o nosso micromundo, nossa casa, nossa estrutura, do que aguentamos de nós mesmos. E, ao mesmo tempo, um olhar para o coletivo, com situações drásticas externas. Diante disso, não me senti inspirada para compor, mas sim para refletir sobre o todo. E o lugar de acalanto, de aquecer a alma, foram os artistas que eu amo. Esse disco faz o resgate de alguns deles”, afirma a cantora.

Outra canção que Céu buscou no fundo do baú para esse álbum é Teimosa, da dupla de compositores Antônio Carlos & Jocafi, representantes do samba afro-baiano, lançada em 1973. “As músicas deles têm uma dolência, uma coisa para trás, que sempre busquei. Esse balanço sempre bateu no meu peito. E, como sou teimosa, achei que essa faixa cabia bem”, diz. Os vocais foram feitos em falsete por Russo Passapusso, da banda BaianaSystem.

O álbum Um Gosto de Sol também fala sobre o feminino. Há, por exemplo, a gravação de Chega Mais, sucesso libertário de Rita Lee, que ganhou versão puxada para o rock, em pegada executada por Pupillo na bateria, Kisser no violão, Lucas Martins no baixo e Hervê Salters nos teclados.

Já Pode Esperar, gravação original de Alcione no disco Grito de Alerta, de 1979, é um verdadeiro hino do empoderamento feminino, quando a palavra não era tão conhecida, mas a luta pela afirmação da mulher já estava posta à mesa.

“Alcione é uma artista de primeira grandeza. Estive apenas uma vez com ela e tremi. Quando ouvi essa música, disse: ‘Olha essa letra! É empoderamento, força. É tão atual. É Marília Mendonça. É preciso passar essa mensagem para a frente de novo e de novo’”, diz Céu.

Sobre esses elos da música, algo que a cantora também perseguiu para esse disco, Céu foi buscar um lado B do trio punk/rap americano Beastie Boys. A faixa I Don’t Know, do álbum Hello Nastie, de 1998. Uma bossa nova, na verdade.

O gênero ainda se faz presente pela regravação do samba Bim Bom, composição de João Gilberto, lançada em 1958, no lado B que trazia a canção Chega de Saudade com a tal batida diferente que influenciaria a música no mundo todo – inclusive os Beastie Boys quatro décadas depois.

Todo esse caminho que Céu percorreu nesse álbum pode, de certo modo, ser traduzido pela faixa que o batizou. Composta por Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, gravada no lendário disco Clube da Esquina, de 1972, Um Gosto de Sol fala sobre a busca de sonhos, de não largar os sentimentos esquecidos para trás. A cantora fez um show no dia 19 e fará outro hoje, 21, no Studio SP, na Rua Augusta, que já está com os ingressos esgotados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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